segunda-feira, 12 de dezembro de 2016




Para as visitas habituais, para as visitas ocasionais, para as visitas curiosas, o meu voto sincero de BOAS FESTAS!

Um Natal cheio de PAZ, muito AMOR e muito PERDÃO para todos os que fazem da maldade o seu dia-a-dia.

Que os vossos corações se encham de LUZ e BONDADE!

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Há Gargalhadas no Ar.

                                                                                        

                    
Na esplanada, gozando do morno sol duma manhã outonal, meia dúzia de gentes entregam-se à leitura das notícias da impressa nacional – DN, Público, CM, Expresso, ou noutro escrevinhar  diferente do nosso, Daily Telegraph, Financial Times, Le Figaro. Há um silêncio de biblioteca instalado por entre as mesas, somente afastado por algum comentário verbal de um ou outro caso mais relevante e que o leitor achou por bem salientar.
Num cenário oposto, na sala contígua à esplanada, ecoam gargalhadas. São 3 jovens, duas são brasileiras e a outra é colombiana que conversam e divertem-se lançando para o ar a melodiosa amostra da sua jovialidade e boa disposição como se um rio liberto das suas margens corresse por sobre os seixos do seu leito.
São mulheres novas, a trabalhar neste país distante da sua pátria, longe de pais, irmãos, amigos, mas, que não deixam, por isso, de expressar alegria em gargalhadas claras e bem audíveis, mesmo que o seu amanhã seja incerto e o sol não tenha calor.
É a juventude e a juventude é feminina, com beleza, alegre como um jardim florido onde as borboletas esvoaçam livres e coloridas. Não há lembranças do que deixaram não há apreensões para o futuro. Apenas desfrutam o presente que é hoje, aqui e agora.

Foto da net.
                              

sábado, 19 de novembro de 2016

Espero-te




Quando, amanhã, vieres visitar-me não tragas flores nem chocolates. Traz-me um canteiro de sorrisos e a doçura do teu olhar. Veste a tua blusa de renda e a saia de roda com a qual me enredaste. Traz raios de sol na tua bolsa, aquela azul da cor do teu olhar.
Quando, amanhã, vieres visitar-me não me tragas a travessa de arroz doce enfeitado com canela, deixa que eu me delicie com o doce néctar da tua boca.
Não me tragas brilhantes e maduros frutos, dá-me o brilho do teu sorriso.
Quando amanhã vieres visitar-me não tragas a garrafa de licor, com que brindávamos cada beijo trocado, deixa que me inebrie com as tuas gargalhadas.

Não quero tigelas de marmelada nem fatias de pão de ló, mas, sim, aspirar o perfume adocicado que do teu corpo emana.
Lembras-te daquela tarde de outono? Só nós dois na sala, o vinil rodava no velho gira discos e, no ar, a voz rouca, inconfundível do Cohen e nós dançávamos, dançávamos numa perfeita simbiose dos nossos corpos. 
Vem.
Vamos amar e recordar.
Porás a música a tocar, e os dois, enlaçados num único abraço,  rodopiaremos ouvindo “Dance me to the end of love”, enquanto o mar, lá fora, cantará num chamamento às estrelas-do-mar.
Espero-te!


foto e texto de Benó

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

A terra treme





A terra tremeu, a terra treme, longe, noutros mundos.  Onde se erguiam casas há escombros, ruínas. O desfazer de lares que eram abrigos traz as gentes para a rua assustadas, temerosas.  Perante uma causa que desconhecem apelam para o divino, clamam ao além, levam as mãos à cabeça sem perceberem porque tal lhes acontece. Fogem, talvez de si próprias sem saberem se o seu mundo voltará a tremer. Não sabem para onde ir, nem como se proteger.


Abandonadas pelos caminhos ficam as pedras, restos de paredes, de tetos que albergaram risos, alegrias; pedaços de chãos que suportavam o peso das mesas onde não faltava o pão de cada dia, a água, o vinho.


Mas depois de terem perdido todos os seus bens materiais,  restará a esperança, uma corda de salvação para se agarrarem com a força necessária para recomeçar, para refazer os sonhos, uma nova vida, mesmo que a família tenha partido e o isolamento seja a única companhia.
Aprenderam que nunca é tarde.
O querer fará a fénix renascer.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Um cesto de sonhos




No cesto, os novelos de fios coloridos esperam a vez para, malha a malha, ponto a ponto, se transformarem em mantas que irão aquecer os corpos nos dias frios deste inverno que se aproxima. Ao mesmo tempo serão tecidos sonhos e ardentes esperanças nos desejos que ficaram em espera no longo decorrer da vida.

Enquanto a manta cresce, os novelos diminuem e os desejos formam-se num  interminável tecer de ambições com a força do querer e da vontade do ser.

 Azuis, brancos, amarelos, verdes mais escuros ou mais claros os fios dos novelos são o matiz colorido das nossas utopias. Elas viverão connosco enquanto o sol nos aquecer e as estrelas nos fizerem sonhar, enquanto houver primavera em nossos corações, enquanto acreditarmos na justiça e no perdão, enquanto a humanidade se orgulhar da sua qualidade de ser superior.

Deixemos que a manta cresça sem pressa, colorida, a um novelo outro se seguirá e os nossos sonhos perseguirão a busca do arco-íris.
Esperemos que a utopia se torne realidade.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Fogo sobre o mar







Céu em fogo sobre o mar no outono da nossa existência.

As nuvens vermelhas lembram as paixões que se incendeiam, enovelam e sobem como labaredas duma fogueira para o espaço livre, etéreo, pairando sobre o mar que as refresca e as acalma.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Outro café.








Senta-se, como habitualmente, à mesa colocada junto à grande janela da cafetaria do largo, onde, todas as manhãs, toma o café  em chávena escaldada, servido pelo empregado que já conhece os seus hábitos.

 A pequena garrafa com água fresca descansa junto ao copo ainda vazio. Traz sempre um livro como companhia mas, antes de se meter na complexa dança das letras, gosta de olhar em redor analisando os diversos tipos de pessoas que ocupam as outas mesas. Na generalidade são jovens que desconhece, são tagarelas e alegres como se depreende pelas risadas que ecoam alto cortando o ar perfumado pelo odor adocicado dos bolos vindo da cozinha, fábrica de pasteis de nata e outras doçuras.

Bebe o café dum trago, sem açúcar nem adoçante.  Ali, sentada à mesa do café, rodeada de jovens, ouvindo as suas conversas e as suas gargalhadas esquece as  artroses e tendinites que começam a atormentá-la,  esquece os desaires que afligem a humanidade, a fome, a guerra,  as mortes no Mediterrâneo tão azul e tão perto, os atentados em nome duma religião praticados por gente que só sabe matar sejam crianças ou não e recorda com um sorriso os seus sonhos e ambições pessoais, a sua juventude vivida ali mesmo, na calma terra onde nasceu, cresceu e se fez mulher, num tempo em que tudo se passava vagarosamente e as calamidades externas não chegavam ao conhecimento deste povo que vivia isolado do resto da europa.

Agora, numa total abertura a todo o mundo, em que comodamente instalados em casa ou à mesa dum café se pode ver em direto as guerras dos outros no preciso momento em que estão a acontecer, começa a crer que o desejo num amanhã mais equitativo em que todos se possam entender e a ambição desmedida não suplante a boa vontade duma igualdade mais justa não passe dum sonho impossível.

-Outro café, faz favor! – Bem forte!


quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Lápis de cor


Abriu, vagarosamente, a bolsinha de tecido azul mar que a avó Mariana, mãe do pai, lhe fizera e despejou o conteúdo na mão. Contou uma por uma as moedas pretas e brancas que conseguira amealhar no  ano escolar.

Há muito que desejava comprar uma caixa de lápis de cor, daquelas com muitas cores. Para isso era preciso dinheiro. Talvez se ele arranjasse um pequeno trabalho, conseguiria algumas moedas, como por exemplo, fazer uns recados às vizinhas que sempre reclamavam de não terem tempo para ir às compras.

Os pais tinham ordenados pequenos pelo que não tinham disponibilidade financeira para lhe darem mesada. Assim, tinha de arranjar algum dinheiro com o seu próprio esforço. Lembrou-se que poderia ajudar a  D.Maria, visto  ela sofrer  de reumatismo e ter alguma dificuldade em andar, até mesmo, para se deslocar à mercearia do sr. Manuel que ficava no fundo da rua.

Logo que chegava da escola, ia directamente buscar o pão à padaria do sr. Manuel, conforme a mãe lhe recomendara. Depois, passava pela casa da D.Maria que ficava perto da sua, para saber das suas necessidades e trazia tudo duma vez. Ainda lhe sobrava tempo para brincar e fazer os trabalhos da escola.

No fim da semana, mais propriamente, ao domingo, em troca dos serviços prestados, pelos recados feitos, recebia uma moeda, que não era sempre do mesmo valor pois, também, dependia de como estava o porta-moedas da vizinha, mais ou menos abastado.

O Domingo fora, também, o dia escolhido por ele e pelo avô para irem ao café do largo onde se sentavam como dois amigos, velhos conhecidos, nas cadeiras de alumínio que ladeavam a mesa quadrada, de fórmica verde, junto à vidraça que dava para a rua, sempre movimentada naquela hora da tarde e lanchavam. O avô bebia um “garoto” e comia um queque e ele bebia uma Fanta e comia um “caracol” enquanto conversavam sobre as aventuras e desventuras escolares, assunto que agradava ao avô, pois ria-se sempre muito e exclamava – Boa, neto! Tu já sabes muita coisa!

No fim do lanche, os dois caminhavam até casa, onde o avô jantava com ele, com os pais e os gémeos seus irmãos mais novos, e, no fim, antes de voltar para ir dormir, dava-lhe um beijo de boas noites e uma moedinha branca que ele agradecia e ia guardar junto às outras.

Tornou a contar as suas economias e ficou radiante com o total. Já tinha a quantia suficiente para ir à loja da D.Gracinda comprar a caixa de lápis de cor que há tanto tempo desejava. O primeiro desenho colorido com aqueles lápis seria para o avô, o seu melhor amigo. Até já sabia o que iria fazer: um barco como o do avô quando andou na pesca e que ele gostava de admirar na fotografia emoldurada que a mãe, orgulhosamente, exibia em cima da cómoda.

A criança sorriu ao pensar na alegria que o avô iria sentir quando lhe entregasse o seu primeiro desenho pintado com os lápis de cor adquiridos com o dinheiro amealhado na bolsinha azul.




segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Negatividade




Andava cansada, a dormir pouco. Durante a noite, tendo por companhia o silêncio dos lençóis, levantava-se duas e três vezes para andar um pouco na semiobscuridade do corredor e, mais descontraída, ajudar o sono a aninhar-se. Em vão. Noites de insónia que lhe provocavam mal-estar e uma completa irritação diária, a ponto de descarregar nas crianças, pobres inocentes, o frenesim que sentia. Nenhum dos livros da mesa de cabeceira a ajudava naquela sua luta com o sono.
Tinha de escrever.

Ali, à mesa do café, talvez a tarefa que estava a ser difícil, se tornasse fácil.As palavras começavam a ter necessidade de sair da cabeça onde se encontravam desordenadas, aos empurrões, apertando-se umas nas outras.
Pegou num lápis. Às vezes esquecia o teclado e gostava de sentir o cheiro do papel e de riscar o que não lhe parecia correto à primeira, em vez de carregar na tecla do “Eliminar” para, num instante, a palavra errada desaparecer. Era mais rápido, talvez, mas, agora, precisava de tempo para ordenar o que sentia desordenado.
Pediu um segundo café, curto, em chávena escaldada.
Puxou do cigarro. À mão, a droga necessária para se acalmar um pouco e tentar arrumar as ideias. Nada se coordenava. Nenhuma frase fazia sentido. Os pensamentos não tinham consistência e as têmporas começaram a latejar. Cerrou as pálpebras e lentamente letras, palavras, acabaram por ir aparecendo formando pensamentos.
Estava mais calma e, cigarro atrás de cigarro, o lápis foi deslizando pelo branco do papel na transmissão das ideias que se atropelavam no seu pensar.
Sentiu-se liberta da pressão que tinha dentro de si.
A mão voltava a ser comandada pelo pensamento.

texto e foto de Benó

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Setembro



Quando o meu corpo arde no calor do Setembro  devagar, calmamente, mergulho nas águas frias que me causam arrepios e deixo-me envolver nesse abraço molhado para logo emergir  refrescada, todo o corpo perolado de água que sabe a sal; pernas bambas, braços pendentes.

Acalmada, assim, dos últimos calores estivais, sinto que o meu corpo pede descanso e molemente me espreguiço e alongo pelas douradas areias.

Tão indolente me encontro que, por momentos, a vida para, as horas são eternas, a maré escoa, o sol aquece neste fim de tarde, neste fim de Setembro.

Esqueço quem sou ou onde estou.

Não  sinto nem pressinto a vida que passa.

Flutuo no éter nestas horas do entardecer.

Acontecendo em Setembro.

foto e texto de Benó

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Sem nome



Sente-se uma ilha no meio do oceano de gente que a rodeia, uma ilha desabitada, solitária. Uma boia que partiu a amarra e foi deixada na praia pela maré cheia.

A caneta segura pela mão trémula recusa a transmitir ao papel os pensares da sua agitada mente. Só letras isoladas que dançam um bailado sem coreografia como moscas esvoaçantes sem saber onde poisar.

As pernas que sustentam o corpopesado nem conseguem ir pelo caminho aberto no chão duro da vida e os braços acabam por tombar inertes ao longo do corpo num abandono inusitado sem forças para se erguerem e abraçarem a vida.

É uma vida que já não é.

É um deixar de querer ser.

É um barco à deriva sem leme nem bússola que a tempestade da vida engolirá.



História triste anotada no Bloco de Capa Azul.
foto e texto de Benó


segunda-feira, 27 de junho de 2016

Esperança



Ouve-se muitas vezes o desejo expresso por gente de 40/50 anos de querer voltar ao tempo de sua juventude.
Poderá haver várias razões para isso, como a falta de saúde, o desemprego, a solidão. Se por um lado a idade de 40/50 marca o começo dos achaques e se o desemprego se instalou nas famílias acrescido da dificuldade em arranjar nova colocação com esta idade, também é verdade que, ultrapassados esses problemas, o meio século já vivido nos proporciona um saber estar e um encarar as dificuldades dum modo mais suave.

Estudámos, trabalhámos, crescemos, amadurecemos.
Uns aprenderam a selecionar as pedras dos caminhos retirando aquelas que não tinham valor mas deixando as preciosas, outros não  souberam fazer essa escolha e caminharam sobre picos e escolhos, sangrando.

Durante estes anos de existência vimos fortes ventos rasgarem velas. Vimos náufragos  morrer na praia.
Viveram-se deceções, partilharam-se alegrias. Construíram-se sonhos.
Muita água correu sob as pontes
Que importa mais um cabelo branco? Mais uma ruga ou uma artrose se o sol nasce todos os dias? Se as crianças continuam a sorrir e se ainda há amor entre as pessoas?

Os velhos continuam a ter esperança.

Texto e foto de Benó.


sexta-feira, 10 de junho de 2016

Indelicadeza


Incomoda-me quando me tratam por você e, quando esse tratamento vem de identidades com altos cargos na nossa sociedade, então sinto arrepios. Desde pessoas que deveriam, pela sua posição profissional, possuir uma certa instrução e, também, alguma educação, até ao mais modesto operário, esta é, agora, a maneira comummente utilizada para comunicar.  
As chamadas telefónicas vindas dos “call center” são duma incorreção atroz. Será que não é dada a esses funcionários (as) um pouco de formação sobre a maneira correta de se dirigirem às pessoas? Telefonam, incomodam e ainda por cima são indelicados(as) na abordagem que fazem ao assunto que querem tratar, como ainda fazem perguntas num tom agreste e altaneiro, como se estivessem num interrogatório de criminologia. Aconteceu, hoje.
Não suporte falta de educação, principalmente, de quem não conheço.


segunda-feira, 23 de maio de 2016

Ausência




Saudosa, ansiosa, vejo o sol partir por debaixo das águas verdes do oceano profundo e a noite chegar negra e escura, sem lua, sem estrelas, sem cometas. Abalaste como o sol, ao fim do dia, para lá da linha do horizonte. Mas amanhã ele voltará e terei novamente o seu abraço quente, aconchegante.

E tu? Não sei.
A casa arrefeceu.

Resta um pouco de cinza ainda quente na lareira sem lenha. A cama vazia, enorme está como a deixaste de lençóis enrodilhados, porém fria, sem o bafo dos nossos corpos.

Aguardo-te sem temor nem ansiedade.
Com saudade.


foto e texto de Benó

terça-feira, 26 de abril de 2016

Uma folha



A folha desejava estar liberta para dançar ao sabor do vento.


Soltou-se dos braços de sua mãe e rodopiou como uma bailarina em pontas.


Subiu, tornou a girar e sentiu os raios de sol na sua pele.

 


Cansada de tanto rodopio tomba, por fim, feliz por ter alcançado o sonho de dançar ao vento. 
Ressequida, ali fica no chão junto de outras irmãs sem vida, inerte.
Em breve será pó.


fotos e texto de Benó

terça-feira, 12 de abril de 2016

Gente comum

                                               Henri Matisse/net
 

São pessoas comuns, homens e mulheres com quem nos cruzamos diariamente, que conhecemos por frequentarmos os mesmos locais: o café, a pizaria, a loja, o mercado e a quem sorrimos num cumprimento casual. Cada um alberga dentro de si alegrias e tristezas, segredos, intimidades que na sua aparência, dita normal, não deixa transparecer nem no rosto nem nas conversas leves e rápidas que ocasionalmente se possam trocar.
Casamentos desfeitos, doenças incuráveis, dependência de drogas, tudo isto é camuflado com sorrisos de indiferença nos cumprimentos habituais de “Olá como está?”
Nas conversas mantidas à mesa do café cochicha-se o escândalo e uma palavra aqui, outra palavra ali em tom mais elevado é dado a conhecer a razão do burburinho. Trata-se de mais um caso já frequente na sociedade atual. Já nada nos espanta nesta nossa vivência mas não deixei de sentir um profundo calafrio ao confirmar o que me parecia dúbio e, ao mesmo tempo, pensar que o que nos parece sólido pode esboroar-se como um castelo de cartas ao leve sopro, e, como as relações humanas podem ser difíceis e fantasiosas.
Como atrás de um sorriso se podem esconder mil pesares. Como a calma dum olhar ilude a tempestade dum pensamento.

Como desconhecemos quem conhecemos.


                                                                                 

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Inconstante e Caprichosa

                                                                                                                Luisa Delartesa
 

A prima Vera irritante e mimada, visitou o Jardim.
Sorridente ou chorosa ei-la a bailar com as folhas que giram no ar.

Num momento sorri, envia convite para a praia, serve gelados, caipirinhas, abre os braços ao sol, desnuda-se, atira sonoras gargalhadas que se perdem nos bicos dos pardais na busca de sementes, dá cor às rosas, amarelo aos malmequeres, ajuda as espigas a se tornarem trigo.
Inconstante. Caprichosa, ventosa muda o seu estar num instante.
Dum tempo para outro tempo sem contagem de horas, altera o seu humor. Chama as nuvens que numa  obediência real acodem ao chamamento e, cumprindo ordens, tornam o dia luminoso e primaveril num dia escuro, invernoso rasgando-se barulhentas sobre a terra já florida.

Pendem os malmequeres. As papoilas desnudam-se. As amendoeiras sorriem.
É assim a inconstante e caprichosa prima Vera que uns adoram e outros nem por isso.

foto da net
texto de Benó

quarta-feira, 30 de março de 2016

Renovação

                                                                                     Wassily Kandinsky
 
 
 
 
Vidas de muitos anos estão expostas em prateleiras que forram paredes. Pequenas peças escolhidas com carinho,  colocadas naquele lugar com ternura pelas mãos de quem as comprou. Cada uma tem a sua história, lembra um local, uma viagem, um aniversário, talvez. Ali têm estado sem incomodar, são presença dum passado que já passou e de tanto nos habituarmos à sua silenciosa presença, esquecemo-nos que há uma altura para renovação. É preciso esvaziar as prateleiras, é preciso limpar as gavetas, é preciso fechar o coração e limpar a casa que foi ninho, aconchego, lugar de ternuras e de afetos. Entre aquelas paredes se construíram sonhos, se fomentaram ambições, se planearam aventuras. Houve risos, lágrimas, zangas, alegrias. Vidas vividas num tempo que já não existe. Eternizaram-se momentos em fotografias que se meteram nas molduras  para decorar as prateleiras ou que se prenderam com  cantos colados nas folhas dos álbuns protegidas por papel de seda. Ficou tanta lembrança que é preciso esquecer pois
É urgente renovar.
 
 

 
 
 

segunda-feira, 28 de março de 2016

Ninho


 
Gosto de ouvir o gloterar das cegonhas. Aquele som tão característico do bater dos bicos transporta-me aos meus tempos de menina. Todos os anos, o mesmo casal voltava para o seu ninho construído no torre da igreja para aí depositar os ovos e constituir mais uma família.

As cegonhas são monogâmicas e eu acabava por entabular conversa com as aves que eram sempre as mesmas, num tu cá tu lá, como se na realidade falássemos a mesma linguagem. Via-as, ora uma ora outra, a chocar os ovos donde saíriam os pequenos filhos e esperava ansiosamente o aparecimento das penugentas aves para com pulos e saltos bater palmas de satisfação. Acompanhava o seu desenvolvimento e ficava triste quando, chegado o fim do verão, pais e filhos partiam para outras zonas mais amenas, onde iriam passar o inverno. Os filhotes iriam constituir novas famílias, num outro local, possivelmente,  e eu ficava com a esperança de tornar a ver no ano seguinte as cegonhas minhas conhecidas, e bateria palmas novamente quando se desse o aparecimento das novas crias. Repetir-se-ia o mesmo ciclo da vida.
 
Hoje fotografei cegonhas e voltei a ser menina.
 
fotos e texto de Benó

segunda-feira, 21 de março de 2016

Redes




As redes descansam no cais. Vieram prenhas de peixe brilhante, reluzente nas suas escamas de prata, ouro para os pescadores, pois é peixe que lhes põe o pão na mesa, que os veste e torna possível dar aos seus filhos uma instrução mais cuidada do que aquela que tiveram.

Eles correram descalços pelos areais das praias na procura de búzios e conchas para  brincar; iam à maré para trazer para casa lapas que serviam de almoço com uma mão cheia de figos torrados. Brincaram ao cavalinho corrido e os joelhos tinham feridas constantes que a água salgada desinfetava mas não curava. Passavam frio no inverno e um prato de papas de milho era, muitas vezes, o substituto do peixe que não vinha  nas redes, nos dias e dias de vendaval em que o mar zangado, vá-se lá saber porquê, afastava o peixe para outros mares e o pão faltava na mesa .

Hoje, os seus filhos estudam para doutores, calçam ténis de marca e não querem saber do mar. Não sabem o que é ir à maré mas sabem equilibrar-se numa prancha de surf e deslizar sobre as vagas até à praia. Não sabem o que é alar a rede mas sabem navegar na net. Não saltam ao cavalinho corrido mas saltam de parapente das altas arribas das nossas praias. É isso e muito mais o que as redes que descansam no cais lhes proporcionam quando vêm prenhas de peixe.
Elas também precisam de sol.
 
foto e texto de Benó

sábado, 19 de março de 2016

Passeio à floresta



 
Era a hora das aves regressarem aos ninhos e, assim, fomos neste nosso passeio para o perímetro florestal para uma visita à floresta rodando por um caminho de terra batida e bem batida pois não havia socalcos nem rebolos que me fizessem balançar no meu assento. Não sabíamos ao certo qual o caminho a tomar visto não haver placas indicativas mas pelas indicações que obtivéramos quanto á localização da lagoa, foi fácil encontrar o que desejávamos. Deparámos com uma casa térrea caiada de branco, outrora habitação do guarda florestal e actualmente desabitada, parecendo a sentinela da pequena lagoa cuja flora circundante era digna dum quadro de Monet. O silêncio era absoluto só cortado pelo “plash” das rãs que mergulhavam à nossa aproximação.

 
 
 
 O sol despedia-se e, quem sabe, em noites de lua cheia as fadas, duendes, silfos, elfos, ninfas e outros seres elementais não utilizam este espaço para as suas reuniões e brincadeiras escondendo-se entre as flores amarelas dos tojos ou as azuis e perfumadas do rosmaninho?
 
 fotos e texto de Benó
 

 
 
 

quarta-feira, 16 de março de 2016

Final do dia

 
 
 
 



 
É um local mítico, onde a hora do banho do astro rei, nas águas do grande oceano, é observada por gentes vindas de longe e de perto. Esperam, também, ouvir os deuses nos preparativos das suas magnas reuniões. Mas esses sons divinos não são audíveis por todos os ouvidos mortais e, nem todos os dias há reuniões, claro.

O cabo regurgita de curiosos nesta hora especial do mergulho da grande bola de fogo, especialmente se há calmaria instalada, como costuma acontecer nos meses  de outono e,  assim, podemos sentar-nos nas rochas à espera do tal momento mágico.



Todos querem registar o mergulho do astro-rei, o seu adeus a mais um dia que termina. Telemóveis, pequena máquinas fotográficas ou outras de grande zoom gravam, para mais tarde recordar,  a despedida do sol que irá aquecer os povos do outro lado do mundo.


fotos e texto de Benó

sexta-feira, 11 de março de 2016

Sopra o vento


Entras no pátio sem pedir licença e à porta do meu quarto assobias toda a noite. Ouço-te quando me deito e, se durante o meu sono acordo, continuo a escutar-te em gemidos dolorosos como a pedires para entrar e na minha cama te deitares. Já me habituei aos teus lamentos, já não me atemorizas nem metes medo. Brinca com as folhas, dança com elas, faz equilíbrio nos fios aéreos que ligam as moradias e por onde as pessoas se escutam umas às outras. Continua a assobiar, sê indiscreto quando espreitas por debaixo das saias das mulheres vestidas no seu traje domingueiro e em alegres grupos se dirigem para a missa, continua irritável quando levantas o pó da rua obrigando as pessoas a tapar o nariz e a limpar os olhos às mangas, varre a areia da praia, podes fazer tudo isso que já não me irritas. Estou imunizada aos teus clamores, vento frio e desagradável que ultimamente tanto me tens apoquentado.

 
                                             foto e texto de Benó

terça-feira, 8 de março de 2016

"O Mar o leva o Mar o traz"

 

Sobre a areia, inerte e sem vida o despojo duma gaivota. Não foi o mar que a levou mas foi o mar que a trouxe porque ela não lhe pertence. A maré cheia ali a  depositou no areal dourado, frio e molhado. Enquanto ave voou pelo azul do céu, penetrou nas nuvens, vogou na crista das ondas, mergulhou no verde oceano em busca de alimento. Não sabemos se a sua vida chegou ao fim por imposição da própria vida ou se, pelo contrário, motivos alheios à própria vida puseram um fim à sua vida.
Numa praia, em Sagres, numa manhã de inverno, uma gaivota sem vida.

texto e fotos de Benó

sábado, 5 de março de 2016

Granizo

                                                                                                         foto da net

O frio chegou e sem convite escrito ou verbal entrou nas casas do povoado, sentou-se à mesa para aguardar que lhe seja servida uma tigela de caldo bem quente.
À noite, sorrateiramente, irá enfiar-se nas camas frias, entre as mantas esburacadas, camas de um corpo só, mas onde cabem dois ou três que se aconchegam, se abraçam, medrosos do escuro da noite. Quando um se vira, viram-se todos ao mesmo tempo, para não caírem para o chão húmido o que seria uma razão para começarem numa risota difícil de parar. Muitas vezes, é essa risota, que se sobrepõe ao barulho da barriga vazia, que os faz adormecer, corpos bem juntinhos uns aos outros, no aconchego dum único abraço.
O frio chegou e trouxe o granizo que se amontoa nas ruas, junto às portas, nos parapeitos das janelas, cobrindo tudo de branco como a cal com que se envaidecem as casas dos montes. Pequenas bolas, mais pequenas que os berlindes com que a rapaziada brinca, que queimam as mãos, queimam as poucas couves que ainda sobrevivem na horta, as favas, as ervilhas que pouco a pouco  a terra dura, apertada, seca pela longa estiagem, vai oferendo.
Aos poucos, essas pequenas bolas que tudo queimam transformar-se-ão em água que correrá ladeira abaixo formando uma pocinha aqui, outra pocinha ali, bebedouros de aves e de animais noturnos,

O frio chegou.
São precisos cavacos para acender o fogo.


texto de Benó escrito num dia frio deste inverno

 

quarta-feira, 2 de março de 2016

Gaivotas na rampa


À tardinha, na rampa do cais que os homens do mar usam para varar os barcos que ficam em terra para reparação ou, simplesmente, para aí ficarem nos meses de invernia, as gaivotas gozam o calor dos últimos raios de sol deste dia de inverno.
De quando em vez, como se estivessem numa brincadeira, dão pequenas corridas atrás umas das outras mas, sobretudo, gostam de descansar junto à babugem  escondendo as patas com o seu corpo fofo de penas e fechando os olhos para melhor sentirem o abraço morno do dia que se despede. Assim,conseguem transmitir-nos um sentir de preguiça, de lassidão compatível com as horas mortiças destes fins de tarde, em que os barcos já partiram para a faina da pesca e as horas pararam, no cais.
 
Gosto de as ver levantar voo, elegantemente. Mas, preguiçosas e sem medo, só depois dum forte bater de palmas e de alguma algazarra propositada, elas se erguem num voo lânguido e vagaroso, rumo às nuvens que começam a acastelar-se por sobre as ilhas do Martinhal ou então, abrem as asas e saltitam para mudar de lugar não demonstrando qualquer receio.
Estas são as gaivotas pardas habitantes do cais da Baleeira.
 
Texto e foto de Benó
 
 

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Granizada

 

 
 
 
O Jardim foi bombardeado com uma saraivada de granizo. Foi rápida e depressa desapareceu mas ainda deu tempo para registar no Iphone.
Há tempo tempo que não via chuva de pedra!!!
Recordo, quando era criança, em que os invernos eram muito mais rigorosos, chovia com mais intensidade e mais frequência. O granizo era constante nos invernos longos e frios e a criançada que não sabia o que era um frigorifico guardava as pequenas bolas de gelo dentro de um frasco que tinha sido de pomada para os sapatos. Pequenas coisas que nos faziam felizes.
 
foto e texto de Benó

 
 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A joaninha cansada




Esta plantinha é vizinha do Jardim e cresce livremente entre as pedras junto dum muro. Sei que tem propriedades curativas, pois quando eu era garota e os joelhos sofriam a consequência das corridas endiabradas, tirava uma pelicula da folha que depois esfregava no ferimento.
A joaninha (ou será o joaninho?) chegou, e cansada pousou para descansar na folha do Umbigo de Vénus, assim se chama a planta.
Esperteza de inseto!

foto e texto de Benó

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Gato Preto








Não apareceu para almoçar. Nem o barulho da colher na vasilha da refeição nem o chamamento-Bichano!!!!Bichano!!!!! Vem cá!-  traziam de volta o malandreco do gato preto da vizinha.

Pela tardinha, no crepúsculo do fim do dia, já com o sol a pintar o céu com as cores rosadas da sua paleta, ei-lo, o gato preto, o bichano ausente, a olhar para a dona com os olhos incandescentes como se fossem duas brasas, muito sossegado, mãos recolhidas, orelhas espetadas, bigodes hirsutos, ar de rufia. Estava colocado junto à chaminé, satisfeito com o calor que subia da cozinha e de onde tinha uma bela visão para os canteiros das flores. É bem possível que  necessite, esta noite, de levar um qualquer malmequer .

Haverá mais uma noitada pelos campos? Estes meses frios pedem aconchego.
 
foto e texto de Benó

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Cinzas









Restos de labaredas, de chamas vivas.
Combustível que ardeu, foi brasa. Madeira ardendo em línguas de fogo a queimar o ar.
Depois, aos poucos, o oxigénio foi rareando.
Extinguiram-se os calores, foram-se os ardores e as chamas morreram.
Ficaram cinzas, cinzentas, quase frias sem calor, apagadas.

Carvões que são recordações.
 
foto e texto de Benó

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Comunicação


                                                                                                          foto da net

 
Dão-se os bons dias, desejamos as boas noites, um bom fim de semana não a um, mas a cem, duzentos, infinitos amigos espalhados por esse mundo virtual, graças à internet. Comunicamos com todos, mitigamos as saudades de quem está longe vendo-nos no pequeno écran do computador, via éter.
Temos os blogues onde tratamos de culinária, de desporto, jardinagem, arte, música, literatura e por aí fora. Sentimos a opinião de quem nos “segue” .  
Nunca estamos sós. Com os telemóveis chamamos os bombeiros, uma ambulância, conversamos quer estejamos dentro ou fora de casa, na rua ou no quintal. Já não se guardam fotos em álbuns que se tornaram uma antiguidade. Transportam-se connosco para onde quer que se vá, assim como livros, jornais, revistas sem pesarem nem fazerem volume no saco de viagem.

Mas há sempre o reverso da medalha.
Com o uso e abuso deste modo de comunicar, fica o  receio de que possa perder-se o doce contacto pessoal e familiar entre pais e filhos, marido e mulher, irmãos, amizades e se vá esquecendo “como é doce a tua voz”.

Esperemos que esta geração de jovens adolescentes , pequenos seres protegidos e amados pela família, se lembrem sempre  como se escreve com um lápis, como fazer cálculos mentais e, principalmente, de como é agradável dar um abraço, ouvir e dizer: AMO-TE! 
Fica o apelo: Não se esqueçam de conversar como beijam: com a boca.


segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Frescura matinal

                       
 
 
 
 
                   
 
                                                foto e texto de Benó

A frescura da brisa matinal entra pela janela aberta do meu sentir  e vem refrescar-me o rosto ainda quente da noite.
Os olhos semicerrados com o peso dos sonhos vividos na escuridão do quarto olham o sol que se ergue das profundezas oceânicas saudado pelas gaivotas  que em volteios esvoaçantes estão a reclamar alimento.

A areia húmida da maré alta convida a caminhar. Com passadas curtas passeio-me por dentro da manhã ainda criança e, com a alegria que me é própria,  bato as palmas.  Os pássaros da beira-mar levantam voo num movimento vagaroso de início para, depois com mais energia, erguerem-se no ar e pousar mais à frente onde executam danças aladas de encantar.
Com as mãos ainda frias, começo a apanhar conchas, búzios, pedras raiadas, pequenas algas, cascas de lapas e de mexilhões trazidas para a areia embrulhadas nas rendas brancas com que o mar se enfeita nas marés. Guardo-os numa caixa de espuma azul céu.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Ciprestes




No Jardim d'abrolhos, além de flores, arbustos, palmeiras e algumas ervas daninhas, também há ciprestes, entre outros exemplares de grande porte .  Embora para algumas pessoas seja uma árvore de cemitérios para o Jardim, elas são o símbolo dos jardins romanos. Altivos, eretos, esguios e pontiagudos lembram o poderio romano dos seus palácios com belos espaços por onde se passeavam as cortesãs.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Caixas, caixinhas, gavetas


                                                                                                   foto e texto de Benó

 
Caixas, caixinhas, caixotes tudo serve para guardar, ao longo da nossa existência,  os mais diversos objetos que nos contam histórias, nos falam de vivências, nos dizem de momentos que formaram um todo que é o nosso passado.
Fotos e panfletos de viagens feitas a países doutros mundos diferentes do nosso; os caracóis dos filhos, os primeiros dentes que caíram, as botas que calçaram quando nasceram. Os livros da instrução primária, os diplomas, as sebentas do liceu, os poemas escritos na idade das paixões, cartas, postais, coisas do último século. 
Deitar fora? Queimar? Não! São parte de nós.
Seria como se se apagasse capítulos do livro da nossa história. Como se nos arrancassem bocados do nosso ser. Tudo o que guardamos são peças dum jogo que temos vindo a fazer ao longo da vida, em que em cada dia se faz um lance.
Mas agora o mundo onde habitamos tornou-se pequeno para manter tanta recordação e, por isso, as caixas foram banidas e substituídas por gavetas onde se arruma o dia a dia sem pensar no amanhã, ali tão perto.

Só o coração tem espaço ilimitado para guardar dentro de si todas as recordações.
E são tantas!