sábado, 15 de dezembro de 2012

Uma porta silenciosa


 
É uma porta velha, com um estilo fora desta época, démodée, carcomida pelo tempo. Os buracos dos bichos que abriram crateras e corredores no seu corpo estão tapados com várias camadas de tinta de cor indefinida que se foram sobrepondo. Lembra os palhaços que se mascaram para entrar em palco tapando as rugas da tristeza com as cores vivas da grossa maquilhagem. Foi bonita na sua juventude com uns olhos grandes rendilhados.
Hoje, olhamo-la com tristeza. Puseram-lhe corrente e cadeado, única maneira de continuar a guardar a sua casa onde se viveram alegrias e tristezas, onde se nasceu e morreu, risos de crianças se fizeram ouvir, choros e dores se sentiram. Houve um tempo de vivência que a casa guarda a sete chaves protegida pela porta acorrentada. Quem conhece exactamente todos os mistérios ali guardados? Quais os tesouros escondidos que só as suas paredes sabem?

A porta acorrentada, decrépita, impede a passagem para um mundo de fantasmas que guarda como uma caixa de pandora e cujos segredos nunca serão revelados porque as paredes têm ouvidos mas não falam.
 
foto e texto de Benó

 

 

sábado, 8 de dezembro de 2012

As minhas leituras




                                                                           foto Benó


Lembrança minha do jardim de casa:
vida benigna das plantas,
vida afável e misteriosa
lisonjeada pelos homens.

A palmeira mais alta daquele céu
como um cortiço de pardais;
vide firmamental da uva negra,
dias de verão dormiam à tua sombra.

........

Jardim, encurtarei a oração
para continuar sempre a lembrar-me:
a vontade ou o acaso de dar sombra
foram as tuas árvores.


Estas são as duas primeiras e a última quadra do poema "Ao correr das lembranças" de Jorge Luis Borges, poeta, contista e professor de literatura nascido em Buenos Aires em 1899 e falecido em Genebra em Junho de 1986.