sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Abrigos





As pedras reunidas sem preferência de tamanho ou feitio são muralhas aos abrigos construídos num fim de tarde de sol brilhante e quente, em que os corpos se rebolam nas covas, depois de muitas brincadeiras.
Hoje é inverno, a praia está deserta, apenas os caranguejos se atrevem a pequenas corridas e as estrelas do mar atiradas para o areal por algum vómito da maré-baixa jazem inertes na espera que os longos braços da preia-mar as devolvam ao oceano.
As nuvens cinzentas carregadas de água afastaram da beira-mar os mais audaciosos que sempre se afoitam na procura de conchas ou de um ou outro “tesourinho” que a vazante possa deixar nestes dias de maior maresia e que eles recolhem para as suas coleções ou artefactos com que se enfeitam e vendem.

Mas, há sempre alguém mais corajoso, talvez seja mesmo, um construtor dos abrigos de pedras que, cheio de querer e paixão, ali permanece na espera do melhor ângulo que o voo duma ave, do salto acrobático dum peixe para fora de água ou duma vaga orlada de espuma, mais alterosa e caprichosa lhe possa oferecer.
Há momentos inesquecíveis no percurso de um fotógrafo.
Há pedras que guardam segredos.

fotos e texto de Benó




sábado, 21 de janeiro de 2017

Cegonhas







Gosto de ouvir o gloterar das cegonhas. Aquele som tão característico do bater dos bicos transporta-me aos meus tempos de menina.

Recordo, todos os anos, o mesmo casal destas aves voltava para o seu ninho construído no torre da igreja da minha terra para aí depositar os ovos e constituir mais uma família.

As cegonhas são monogâmicas e eu, menina, acabava por entabular conversa com as aves de pernas longas, num tu cá tu lá, como se na realidade falássemos a mesma linguagem. Via-as, ora uma ora outra, a chocar os ovos donde sairiam os pequenos filhos e  esperava ansiosamente o aparecimento das penugentas aves para  com pulos e saltos bater palmas de satisfação. Acompanhava o seu desenvolvimento e ficava triste quando, chegado o fim do verão, pais e filhos partiam para outras zonas mais amenas, onde iriam passar o inverno. Os filhotes iriam constituir novas famílias e eu ficava com a esperança de as tornar a ver no ano seguinte e bateria palmas novamente quando se desse o aparecimento das novas crias.

texto e foto de Benó.

Depois, elas e eu partimos cada qual para o seu destino, com os pais, para longe. As cegonhas não voltaram para a torre da igreja. Eu voltei para a terra que me viu nascer.

Fotografei outras cegonhas e voltei a ser menina.