domingo, 31 de outubro de 2010

HOJE



Quando o grupo se juntava e se punha o convite para uma tarde de cinema, a resposta da Cocas era sempre a mesma:
-Hoje não, talvez amanhã
E, entretanto o filme era substituído na sala do cinema.

Se a todos apetecia fazer um pic-nic no pinhal, ela não ia e respondia o que era seu hábito:
-Agora não me apetece. Fica para amanhã.

-Preciso pôr uma certa ordem nestes papeis. Dizia ela, ao ver a confusão que ia na sua mesa de trabalho. Mas esse acto era constantemente adiado para o dia seguinte que nunca chegava a ser hoje, pois o seguinte é sempre seguinte e tudo continuava a amontoar-se desordenadamente.

Desde o simples passeio, à organização das linhas da caixa da costura sempre empeçadas umas nas outras, nada era feito na ocasião devida.
Nada se fazia no momento certo.

Mas um dia, sem aviso prévio, vieram buscá-la para uma viagem e, Cocas não pode adiar. Não pode esquivar-se, não pode dizer:
-Não me apetece ir, fica para amanhã.
Naquele momento ela teria mesmo de partir, contrariando a sua vontade.

A Cocas não soube aproveitar o presente. Não foi capaz de saborear a felicidade dum viver construído no momento, no HOJE/AGORA.
As calmas tardes passadas na sala de um cinema, os agradáveis pic-nics no pinhal a respirar o forte e saudável odor da mata ouvindo o vento roçar-se por entre os ramos dos pinheiros atirando pinhas ao chão nas suas brincadeiras loucas, sim, porque o vento é louco, nada disto a Cocas sentiu.

O MOMENTO ÚNICO levou-a pela estrada dum só sentido. A Cocas não terá mais AMANHÃ

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Especial

foto da net/Jacek Yerka

Esqueci, por momentos, a crise económica, as noticias tablóides dos jornais, fechei os ouvidos aos serviços informativos e fui dar largas aos meus dotes de cozinheira pronta a utilizar, sem necessidade de apertar o cinto, quantidades q.b.dos ingredientes principais para o prato que tinha em mente.

Fui à despensa dos meus sentires e verifiquei que as prateleiras estavam um pouco vazias.
Não havia lágrimas, nem tristezas, as saudades também tinham acabado, ainda encontrei um bocadinho de ciúme, coisa pouca mas que não iria utilizar.
Iras, raivas, invejas, ódios nunca fizeram parte das existências do meu cabaz.
Mas estavam lá, os ingredientes necessários para levar a bom termo a refeição que desejava oferecer-te.
Assim, peguei num pacote de sonhos e mergulhei-os na água fervente dos meus desejos, pus muitos quereres e alguns devaneios. Mexi com cuidado e acrescentei uma mão cheia de sorrisos, outra de abraços e uma chávena repleta, a transbordar, de alegria e outra de felicidade. Ficou a apurar no picante da teimosia.

Provei, mas faltava o tempero principal que, propositadamente, deixei para que fosses tu a incluí-lo na medida exacta do nosso paladar: O AMOR.

Irei servi-lo, na relva, sobre uma toalha bem colorida, aqui no Jardim.

domingo, 10 de outubro de 2010

Choveu aqui

As nuvens carregadas de água foram espremidas como se se tratassem de uma esponja encharcada.

Por alguns minutos, o Jardim ficou debaixo duma chuva grossa que caía direita e pesadamente sobre as rosas e que tornou o relvado num espaço alagado onde o escoamento colocado, bem ao centro, se mostrou insuficiente.

Depois, o sol brilhou e a água desapareceu.
Numa despedida breve ficaram as goteiras a chorar as últimas lágrimas .

sábado, 2 de outubro de 2010

Caçador caçado

De manhã, deparei com este bichinho na folha da cyca, pronto para tomar o seu pequeno almoço.
Somente, estava à espera de alguma mosca ou borboleta que por ali passasse e distraidamente pousasse naqueles fios brilhantes e pegajosos. Seria um ataque rápido e mortal e estava assegurada uma refeição.
No fim do dia, já não estava no seu posto. Desconfio que se inverteram as posições e, de caçador passou a caçado.