sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A teia de aranha

                                                                                           
                                                          foto de Justine do blogue "Quarteto da Alexandria"

A aranha cria uma teia ou uma rosa
numa teia
não para outra aranha companheira
obviamente para uma mosca
mas pelo prazer de a tecer
ela ateia a delícia do seu prazer
e quase se esquece da mosca
ou de todo se esquece
pelo prazer de a tecer
como uma estrela uma rosa ou uma renda de fios
tão finos
que na sua evidência de insignificância aérea
de todo se esquece da sua mosca intencional
que de qualquer modo acaba por ser caçada e devorada
num tapete de linhas transparente
era para ela sim caçar a mosca
mas como um pretexto
para tecer a teia como um texto
que ela tecia e girava
na autónoma delícia do prazer.

poema de António Ramos Rosa, poeta algarvio

sábado, 14 de dezembro de 2013

Um pedaço de mar

 
 
 
 
Um pedaço de mar, só um pedaço, melhor ainda, um pedacinho desse grande oceano, que dá pelo nome de atlântico, entra no porto de abrigo aqui, à minha frente e suavemente faz baloiçar os pequenos barcos que se encontram em descanso. Foi assim, hoje, aqui no porto da baleeira, perto do Jardim d'abrolhos, em que o vento soprava forte causando alguma ondulação fora da doca.



texto e fotos de Benó

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

INFANCIA

 
 
 





Esqueço o jantar.
Roupa para engomar.
Que importa brinquedos no chão
Quartos por arrumar
Almofadas a servir de colchão.
Ignoro os gritos dos índios.
Os tiros dos "cowboys".
Correrias, atropelos.
Estou dentro, entro na onda.
São muitos os apelos.

Transformo-me, transfiguro-me,
transporto-me meio século para trás.
Jogo ao ringue, salto à corda, faço rodas.



Sou novamente criança
Companheira de aventuras, das escondidas.
Rejuvenesço.
Revivo com a petizada
Os sonhos, as esperanças,
Risos, lágrimas, abraços, despedidas.

Somos camaradas em férias.


domingo, 8 de dezembro de 2013

Sou quem sou




Entre piteiras e catos, neste jardim d’abrolhos, sou quem sou.
Mulher, mãe, avó.
O aconchego, o carinho, o amor. Pele morena enrugada, cabeça nevada. Mãos largas nos carinhos oferecidos, braços pequenos para tantos abraços recebidos.
Sou o oceano revolto quando chega o vento do desespero.
Sou a frescura do oásis em dias de revolução.
Sou a inocência infantil no jardim das crianças.
Intransigente no querer, no estar. Exigente no saber.
Ficcionária, onírica, ave solta. Livre no escrever.

Procuro a verdade da vida, no ler. As letras são mundos desconhecidos. Viagens a descobrir.
Seguro a vida que vai aos poucos caminhando pela estrada que construí. Seguro-a, firmemente, enquanto rodeada de outras vidas que, juntas, formam um todo: a minha própria vida, a minha existência.
Não me pertenço.
Não estou só.
Sou quem sou.

Mulher, mãe, avó.
 
texto e foto de Benó

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Outono


 
 
 
 
 
 
 
Cerram-se as cortinas nas janelas escurecidas pela tarde que termina.
Os candeeiros, na rua, abrem os olhos até aí adormecidos, numa languidez soturna, vagarosa, como se tivessem medo da escuridão que se aproxima. O arvoredo calou as conversas com o vento e até a rosa vermelha parou de alisar as pétalas.

Os filhos aninham-se no colo dos pais enquanto as mães, com a boca cheia de beijos, cozinham a sopa do jantar.
Os gatos de cor parda esperam a hora da saída para os telhados onde as chaminés libertam o fumo retido nas brasas das lareiras.


É outono.


texto e fotos de Benó