sexta-feira, 24 de julho de 2015

Verão


 
 
Chegam às revoadas, em bandos como as aves de arribação. Pousam em esplanadas, invadem restaurantes, falam alto, gritam com os mais pequenos que correm soltos das mãos adultas como potros indomados.

São os turistas de verão que chegam às terras do sul onde todos os dias o sol aquece, as noites são cálidas e a água do mar refresca os corpos que se desejam.

Andam à vontade pelas ruas olhando aqui e ali, distraidamente, pois sabem que o podem fazer nestas terras serenas de gente confiável e de sorriso fácil. Entram e saem nas lojas dessas ruas onde se lhe oferece toda a panóplia de artigos para levarem como recordação quando as férias terminarem.  Desde o íman para a porta do frigorifico à “tcherte” com dizeres ou imagens de futebolistas, das praias, dos monumentos e por aí fora, encontram-se nas lojas dos “suvenires”, dos “recuerdos”, uma junto à outra, muito iguais entre si, onde jovens estudantes arranjam emprego neste intervalo entre exames e aulas para praticar conversação dos idiomas estudados no último ano escolar. 

Correm mais euros entre os dedos dos comerciantes.

Os dias são mais coloridos, as noites mais musicais, o areal das praias mais dourado e os corpos vão-se tornando mais morenos, da cor das espigas já ceifadas.
Há mais alegria no ar.
 
foto e texto de Benó
 
 


sábado, 18 de julho de 2015

Coração inerte

                                                                                       foto de Vanda Rita Oliveira


Na vazante, quando o mar se encolhe e se retrai oferecendo-nos um vasto areal, ela ali está, a imponente caldeira, abrigo de lapas e mexilhões, burgaus e ouriços. 

Quando eu era mocinha loura e traquina, sempre à procura do desconhecido, corria pela praia na esperança de encontrar estrelas tremeluzentes que tivessem caído do alto, daquelas alturas tão infinitas que, no meu pensar infantofantasioso nem o maior dos gigantes lá chegaria. Porem, quando o mar recuava, nas grandes marés , a caldeira de ferro enferrujado, toda esburacada, enorme, era um atrativo para a minha curiosidade. Afoita, metia-me dentro daquele tamanho imenso, na procura de lapas e ouriços que comia crus, ali mesmo, e acabava por esquecer a procura das estrelas, das conchas nacaradas, dos pequenos búzios com que fazia pulseiras para os meus braços e pernas de menina.

Não sei a que senhor pertenceu mas sei que, desde sempre, me habituei a vê-la coberta de areia ou completamente a nu consoante o prazer do mar que a lambia, esse mar que é manso e de águas transparentes mas que, facilmente, pode agigantar-se, ficar branco de raiva e espumar. Ali está, há muitos, muitos anos, despojo duma guerra que não foi da minha vida mas que a deixou na praia da minha infância, de grãos dourados e finos por onde os meus pés descalços corriam e se enterravam, com a alegria própria da criança feliz que sempre fui.

Hoje, continua a ser um atrativo misterioso para a criançada que poderá não gostar do mesmo que eu mas, certamente, aprecia descobrir pequenos búzios e outros seres marinhos agarrados aquele ilhéu de ferro, coração inerte, esburacado, dum navio que cruzou mares, venceu tempestades e agora está coberto de acaramuje e para nada serve.

Quando o verão acontece e o areal é penteado e despenteado pelo vento norte, a caldeira emerge e as recordações afogam-me.

 

                                                                                                                                                                                          

 

 

 

terça-feira, 14 de julho de 2015

Rua molhada

 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

No acabar de um dia chuvoso dum longínquo outono, a rosa vermelha espreita quem passa na rua molhada. São poucas as pessoas que, em passos apressados, ousam sair nesta hora sem hora.
As luzes dos candeeiros refletem-se no chão para iluminar a noite  indecisa que não tarda a chegar.


foto e texto de Benó

domingo, 12 de julho de 2015

Maré cheia.

 
 




O mar encheu. Repentinamente engordou.

Pequenos ilhéus, conchas, o laredo, tudo a água cobriu. Já não há algas nem búzios ou estrelas-do-mar sobre a areia a conversar.

O vasto e infinito oceano está calmo e as sereias entretêm-se a bordar com espuma branca um pequeno rendilhado que vão deixando ao longo de toda praia  como se fosse o bordado dum saiote a espreitar sob a bainha dum vestido de noiva.

Crianças descalças podem chegar e, livremente, correr molhando os pés, pelo dourado areal, sem receio do afluxo da maré tão suave é o seu vai-vem.
 
 
texto e foto de Benó 


sexta-feira, 10 de julho de 2015

Despedida



Para um jovem amigo que partiu rumo ao hemisfério sul.


 
Ventos que vêm, ventos que vão.
Brisas que sopram afagam rostos molhados.

Cabelos pingando água da chuva.
Lágrimas que caem nas mãos que tremem 
Num longo adeus.

Bocas fechadas em sofrimento.
Aves que partem rumando ao sul.
Ondas gigantes em águas tépidas.

Fica a saudade. Fica o amor.
Beijos à espera. Corações abertos.



segunda-feira, 6 de julho de 2015

Passeio no areal

 
 
A lua cheia, gorda, piscava-me o olho  com um sorriso maroto. Fitei-a e apercebi-me dum convite  para um passeio pela praia, por onde os seus braços se espreguiçavam tornando o mar, na sua calmaria, numa extensa planície de luz. 
Aceitei o convite. Como poderia dizer NÃO a quem me piscava o olho e meigamente me envolvia no seu manto de prata fina?
Juntas fomos passear no areal.
Muito conversámos! Ri com as histórias que me contou de quem põe a cabeça nas suas mãos. Quero dizer, de quem anda com a cabeça na lua.
O tempo parecia ter parado.
Já o escuro que estivera oculto se aprontava para fazer a sua invasão estratégica pelo areal fora e retirar a lua do espaço celeste, quando as nuvens, ciosas da luz que dela irradiava, apareceram metediças, feitas em novelos esfarripados, dispostas a anularem aquele esplendor na praia. Antes que a minha amiga gorda e brilhante desaparecesse por completo, enchi-me de coragem e fiz-lhe um pedido. Um pedido que englobasse o mundo inteiro, este mundo redondo que ela tão bem conhece e que está cheio de gentes com vistas quadradas.
 
 
 

Como eu aceitei o seu convite para o passeio, espero que ela satisfaça o meu desejo.
Não revelo o que, com todo o meu querer, lhe solicitei. Quebraria o encantamento.
 
 
fotos e texto de Benó
 

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Nuvens





 






Farripos, farrapos, riscos, círculos, bolas, anjos, diabos tudo é possível ver num céu azul decorado com nuvens brancas leves como flocos de algodão doce, vermelhas como labaredas duma fogueira de St.António, cinzentas como as ratazanas, negras carregadas de água que se despejará nos oceanos ou nas terras secas e sequiosas, sedentas e ávidas de bebida.
São nuvens fantásticas, fantasiosas, fantasmagóricas que habitam os éteres e se revêm nos espelhos líquidos que cobrem a maior parte desta bola grande, redonda habitada por gentes de várias cores,  que nunca se entenderam nem vão entender nestes tempos vindouros.


fotos e texto de Benó