quinta-feira, 29 de junho de 2017

Trabalhos Manuais







A manhã acorda cinzenta com uma certa humidade no ar que o sol oculto pelo manto de nuvens espessas não consegue secar. Os turistas passeiam-se pelas ruas da vila, já que ir para a praia está impensável nessas primeiras horas matinais. É o comércio local que beneficia com estas caretas do tempo. As lojas de lembranças, principalmente, mostram bastante movimento em entradas e saídas de gente feminina de longas pernas morenas enfiadas em reduzidos calções ou cobertas com saias rodadas e compridas como, antigamente, só a etnia cigana usava.

Nos cafés e esplanadas aguarda-se que o sol volte a brilhar para se desfrutar de mais uns momentos de bronzeamento e algumas braçadas na água fresca do oceano que nos beija.

 Mas há uma loja pequenina, uma capelista, situada na principal rua da vila que atrai a minha atenção. Vende linhas, botões, gregas e fitas de cetim; agulhas de tricô, de croché, de coser; novelos de lã, de algodão, de trapilho;  quadrilé para bordar, panos de loiça enfeitados com picôs nas bainhas, botinhas de bebé.

Noto com satisfação que ainda há pessoas que gostam de fazer estes trabalhos de mãos e que, mesmo entre os turistas, poderemos encontrar uma avó, uma tia ou mãe jovem que acompanha a família nas suas férias algarvias e sabe e gosta de usar as agulhas e os novelos.

Perpassa pela minha lembrança certo grupo de senhoras que à mesa do café com esplanada protegida do vento norte, nos idos anos 60/70, passava a tarde a crochetar e a conversar trocando ideias sobre determinados pontos para cachecóis ou naperons enquanto os maridos se entretinham na pesca à linha.
fotos e texto de Benó

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Flores







As flores! 
Ah, as flores trazem brilho ao meu olhar.
Quando aspiro o seu perfume é a primavera que inalo e que me preenche. Por isso não as colho, não as corto, não as arranco à sua mãe. Deixo-as agitarem-se ao vento, desnudarem-se pétala a pétala, amadurecerem, tornarem-se em semente e novamente criarem vida e seguirem o ciclo normal da sua existência.
Flores mimadas do meu jardim, matizadas nos mais diversos coloridos, protegidas das agruras climatéricas pela guarda frondosa das árvores que aí foram plantadas para cumprirem esse dever, são alimento de outras vidas, são o aroma doce que alimenta os meus sentidos.

Texto e fotos de Benó

terça-feira, 6 de junho de 2017

Despojos





O mar é vida, alimento, diversão, trabalho. Engole e leva para as suas profundezas crianças inocentes que queriam ter sempre pão quando a fome aperta. Homens e mulheres crentes duma existência mais feliz em terras desconhecidas. Zanga-se e é destruidor. Altera-se e arrasa vilas, aldeias, cidades mas também sabe ser calmo, dócil, brincalhão e nesses momentos de boa disposição traz para o areal brinquedos que oferece para nossa diversão e esquece, por algum tempo, todo o mal que a humanidade lhe provoca.

foto e texto de Benó









quinta-feira, 25 de maio de 2017

A Tareca






Era assim que enroladinha, ternamente quieta, todas as manhãs ela esperava que a porta da cozinha se abrisse e lhe fosse servido o pequeno almoço. As suas sopinhas de pão em leite morno deliciavam-na desde que aparecera no Jardim e fora acarinhada por todos. Numa tigela comprada especialmente para a senhora gata o pão amolecia no leite que ela lambia até desaparecer a última gota. Mas, antes de iniciar a sua refeição matinal, a única que vinha tomar a nossa casa, a Tareca, nome com que carinhosamente  a batizámos, esfregava-se languidamente nas minhas pernas como só as gatas sabem fazer.

Foi assim que este ritual se praticou, durante algum tempo, com prazer para nós e satisfação para ela, suponho. Chegava de manhã, comia, era acariciada, brincava pela relva atrás dos gafanhotos ou dos pardalitos mais jovens. Desaparecia e só regressava no outro dia. Foi fotografada pelas crianças que lhe dedicaram a sua amizade.

Mas a Tareca era gata de rua e, tal como tinha aparecido assim desapareceu sem um adeus, sem um miado. Ficou um vazio nas nossas manhãs.

Deixou saudades.


foto e texto de Benó

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Joana

 Joana.
Uma cara alegre num corpo franzino. Duas mãos esguias a rematar os braços magros sempre em movimento. As pernas musculadas habituadas às corridas com os rapazes do bairro nos grandes desafios que lhe eram propostos pelos mais velhos sempre prontos a provocações. Os cabelos louros, lisos, presos na altura da nuca com um laço de fita azul, escorriam até meio das costas. Já tinha pedido à mãe para cortar o cabelo pois era a primeira coisa a ser agarrada e puxada com a força dum adolescente zangado, durante as disputas com os outros elementos dos grupos.
A Joana era a única rapariga entre quatro irmãos. Para sobreviver naquela selva masculina teve de por de parte as bonecas, as casinhas, as panelinhas e aprender a jogar ao berlinde, correr pelas ruas com o arco e até, a dizer palavrões. Teve de se tornar Maria-Rapaz e ser superior aos rapazes, em todas as brincadeiras.
Passaram muitos anos. Muitas primaveras e muitos outonos. Muitas praias e muitos areais. Outras disputas foram travadas. Umas vencidas outras perdidas.
Joana era agora uma presente no grupo que calmamente gozava o bom sol da beira-mar, num dia de temperatura amena, no principio desta primavera quente com dias de verão.
Os cabelos perderam a cor dourada, mas, sim, eram lisos e curtos, embora as “guerras” em que se metia atualmente fossem diferentes das vividas na sua adolescência, num bairro da periferia lisboeta. Agora conversava calmamente, agitando as mãos esguias e cuidadas, e sabia sorrir no meio dos assuntos que se discutiam naquela mesa da esplanada. Assuntos ligeiros, pois, em férias esquecem-se os problemas que atormentam a maioria dos cidadãos.
Joana que conheci menina rebelde tornara-se mulher que sabia camuflar a rebeldia.

foto e texto de Benó



quinta-feira, 11 de maio de 2017

A árvore




A praia está ali tão perto.
A árvore despiu-se para se bronzear. Nua, agita suavemente a sua densa cabeleira amarela para chamar a atenção de quem passa ao mesmo tempo que das suas pequenas flores se desprende um odor adocicado.
Gostaria de sair dali, molhar os pés nas águas frescas do mar que vê e ouve, mas está presa à terra onde nasceu e só lhe resta cumprir, da melhor maneira possível, a função que a Mãe Natureza lhe destinou de dar colorido ao caminho para o areal.
É a acácia da beira mar, de braços fortes que suportam os ventos agrestes que a abanam mas não a arrancam do lugar onde sempre viveu.

foto e texto de Benó

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Procuro




Levanto as pedras da praia na baixa-mar.

Subo e desço as arribas povoadas de gaivotas que interrogo.

Os bagos de areia que tento segurar nas mãos fechadas escorrem por entre os dedos.

Mergulho na água gelada do mar que me encanta e alimenta numa interrogativa vã.

Cabelos ao vento aspiro a brisa marítima vinda de terras longínquas, talvez ela traga resposta às minhas dúvidas.

Abro os braços, levanto o olhar e procuro nas nuvens que correm, rapidamente, na pressa louca de buscar o sul, algum sinal que me esclareça.

Consulto os livros que enchem as prateleiras, as enciclopédias das bibliotecas, os jornais e revistas que se vendem nos quiosques.

Procuro olhando as estrelas na noite sem luar e só vejo o vazio. Ouço o passar das horas, dos dias e cada vez são maiores as interrogações.

Os pensamentos confundem-se, enleiam-se e eu continuo na procura da resposta para estes dias de terror e mal-estar em que vivemos, para esta existência oca, vazia de sentimentos. Gostaria de saber a solução para os problemas que envolvem esta Terra povoada de irmãos que nunca se viram mas se odeiam, de gente que nunca sentiu o calor dum abraço, a ternura dum beijo, a magia dum olhar, o significado da palavra AMOR.

Não é este o mundo que sonhei para os meus netos.

foto e texto de Benó