sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Conversas floridas




Perguntei aos narcisos porque tinham vindo tão cedo se nem as frésias nem os crocus tinham chegado. Tão entregues estavam a admirar a sua beleza que não obtive resposta. Peguei num livro e sentei-me desfrutando do prazer morno dos últimos raios de sol deste dia de fevereiro. Coloquei-me um pouco afastada daquelas flores vaidosas. O som dos melros empoleirados nos longos braços da araucária, no chamamento das fêmeas, fazia-se ouvir e  serviria de acompanhamento musical, sem me incomodar ou distrair da leitura, pensei.

Puro engano. Os malmequeres começaram a conversar, melhor dizendo, a discutir quem teria o branco mais niveo, mais puro, quem teria mais pétalas de bem-me-quer. Discussão que não levaria a nenhuma conclusão e que só terminaria com a chegada das rosadas boas-noites exalando o seu adocicado perfume abrindo-se para receberem o beijo de despedida do sol. O jasmim não se fez esperar e fazendo prevalecer a sua altura e o seu estatuto de trepadeira impos silêncio no canteiro.

 O dia chegava ao fim. Em breve a noite estenderia o seu manto sobre o jardim e um arrepio percorreu-me os braços despidos avisando-me das horas de recolher. Não chegara a abrir o livro e fiquei na dúvida se não teria adormecido ao som das conversas aromáticas das flores do canteiro.

texto e fotos de Benó

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Gata








Andou na rua, pelos telhados, pelos campos. Passou fome, frio, desconforto. Muitos gatos a possuíram, muitas ninhadas pôs no mundo.
Um dia fartou-se da vadiagem e desejou uma nova vida onde houvesse carinho humano, comida e água fresca.
Escolheu uma família com casa no campo. Sorrateiramente, entrou por entre as árvores do jardim e junto às grandes vidraças de onde se via crianças brincando, fez o seu ar mais terno e pediu abrigo. As portas abriram-se e oito braços a  acolheram, abraçaram e, entre todos, deram-lhe um nome: GATA. Levaram-na ao médico, fez exames, tomou remédios.
Já não voltará a andar pelos telhados com um e com outro. Não passará mais fome.
Agora tem casa própria, quem lhe dê atenção, carinhos, alimentação e pode satisfazer uma das suas preferências que é deitar-se em cima do aquário como guardadora dos peixes coloridos que a provocam com as suas danças exóticas.

Apesar de ter tido uma vida difícil, a gratidão faz parte dos seus sentimentos felinos e com alguma frequência vai à caça para oferecer os seus troféus a quem a adotou. Ratinhos do campo, pequenas aves e alguns répteis estropiados são postos na porta da entrada da casa que a acolheu, como retribuição por tudo de bom que lhe tem sido dado.

É assim uma GATA que eu conheci.

texto e foto de Benó

domingo, 12 de fevereiro de 2017

A chuva




A árvore despida, totalmente nua, de braços erguidos ao céu aguardava a água necessária ao seu alimento e renovação.

A chuva chegou com verticalidade, fria, em lágrimas grossas. Umas vezes açoitadas pelo vento indignado com tanto tempo de ausência, outras vezes com tal intensidade que o seu som parecia pedras a caírem sobre tampas de panela.

 A chuva lavou chãos, calçadas, telhados e terraços. Arrastou terra feita lama, pedras, calhaus, galhos, folhas secas que eram tapete de ruas. Escorreu pelas penas pretas dos melros que costumam comer os medronhos maduros, quando bolas pequenas de cor vermelha enfeitando o verde da folhagem. Abriu regos na terra seca, fez regatos que levaram detritos para os ribeiros que se dirigiram para o mar habitado por peixes esfomeados, penetrou na profundeza da terra até onde se situam as raízes fortes das grandes árvores definhando com sede.
A chuva foi desejada.
Em breve, folhas novas, verdejantes começarão a vestir a amendoeira que abençoará a água que agora lhe escorre pelo corpo nu. A erva azeda aproveita todos os pingos que o seu fino caule pode receber para tornar mais amarela a sua flor.
A chuva foi necessária.

Texto e foto de Benó

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Mães



Bendito seja o vosso ventre. Ele foi a caixinha onde, uma a uma, se geraram as quatro vidas que me deram o estatuto de AVÓ. Quatro seres, quatro personalidades, quatro sorrisos, quatro quereres, saíram de vós. Um a um eles foram aparecendo, foram crescendo, foram enchendo o meu mundo, aquecendo os dias da minha existência e vocês com o vosso carinho de MÃE, compreensão, diálogos, dizer NÃO quando é preciso, embora por vezes vos seja difícil, (eu sei) cedências, proibições, acompanhamento, têm-lhes ensinado o que é ser NETO.
A vós, MÂES, para tudo eles recorrem e, sempre disponíveis, ouvem-nos, aconselham, orientam, não perdendo NUNCA,  esse difícil saber, que é o ser MULHER.

Geraram  vidas que começam a aprender novas passadas para se fazerem ao caminho da liberdade, sair do ninho, percorrer os trajetos dum futuro onde irão encontrar obstáculos vários, oceanos de tempestades, montanhas pedregosas, ciladas, ratoeiras, mas que, com os vossos ensinamentos, com o vosso amor e presença, com todo o apoio construído em família, eles saberão ultrapassar.
Vocês são, têm sido o meu suporte, o contributo para eu desempenhar esta função que, por vosso decreto, comecei há dezasseis anos e que espero continuar por muitos mais anos.

Obrigada às duas, R e M, sempre presentes.
texto e foto de Benó