segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Frio







Um denso manto de nuvens cinzentas cobre a cidade e o frio, com uma certa brejeirice, abraça homens e mulheres cujos corpos ainda frescos não se prepararam para o receber e sem qualquer resguardo passam apressadamente pela rua no desejo de chegar a casa.
O vento tornou-se bailarino com movimentos incontrolados na execução de danças violentas e agrestes. Toma para parceiras as folhas que arranca ao arvoredo que bordeja a alameda e quer sejam grandes ou pequenas elas volteiam no ar, arrastam-se pelo chão, escondem-se debaixo dos carros para reaparecerem sobre outros mais à frente.

As árvores, num erguer e baixar dos seus braços semidespidos, imploram que o vento se acalme e, quando as nuvens grossas e pesadas se abrem num alagamento sobre a terra sequiosa, o vento abranda e fica só o seu assobio ao passar mais calmo, pelas esquinas.
Há o latir dos cães amedrontados, o miar dos gatos no chamamento das fêmeas e nem mochos nem corujas se fazem ouvir nesta noite fria.

Só o vento geme e o céu chora.
Por momentos, o fogo duma lareira ajuda a esquecer a agressividade dos elementos que reinam para lá das portas, para lá das paredes.

 
texto e foto de Benó

 

 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Pescadores

Sossego e paz eram os seus sentires naquela manhã clara em que tinha decidido sair, apanhar ar, desanuviar a cabeça.
Andava no ar aquele cheiro especial da beira-mar quando o mar se encolhe e mostra o verde dos limos que cobrem as pedras antes escondidas. Respirou fundo, até encher os pulmões de frescura e o coração de alegria.  
O sol brincava com os bocados de nuvens que se tinham esfrangalhado, sabe-se lá porquê, num esconde-esconde de criança e nas rápidas aparições, punha sobre as águas translúcidas daquele seu mar, pequenas manchas prateadas que a obrigavam a semicerrar os olhos tal era a  intensidade de luz.
Ao longe, sobre as lajes polidas e escorregadias, lá estão os vultos do pai e do filho que tentam a sua sorte na pesca. O pai ensina e o filho aprende pois até parece fácil colocar o isco, fazer o lançamento, esticar a linha, enrolar o carreto, mas, os peixes já não se deixam enganar facilmente e o regresso a casa faz-se, quase sempre com o cesto vazio.
Não importa se em vez de escamas trouxeram um "chibo",  pois o que realmente lhes interessa e dá prazer é estar juntos, conversar, rir, partilhar ideias e transmitir saberes. 
Os mais pequenos também possuem  conhecimentos que gostam de dar a conhecer aos mais velhos.
 

foto e texto de Benó

sábado, 8 de novembro de 2014

Rio sem margens



Abro as mãos, volto-as ao sol, ao infinito na tentativa de apanhar a luz deste dia calmo.
Que recolho? O vazio.
Enterro as mãos no areal, sinto a frescura do mar e quero retê-la mas, ela como a areia escapa-se entre os dedos. O que fica? Nada.





Tento pensar e as ideias são como águas agitadas dum rio correndo sem margens. Afastam-se, diluem-se num infinito alagamento.


texto e foto de Benó.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Mata Mágica

A mata tinha manchas de sol onde as borboletas rodopiavam ao som de valsas tocadas pelo deus Pã na sua flauta mágica. Nas manchas escuras, nas sombras dos pinheiros onde a luz não penetrava, habitavam os duendes. Eram audíveis os sons das suas brincadeiras e as suas alegres risadas subiam pelo ar num desejo de liberdade mas acabavam por ficar dependuradas nas árvores e só se soltavam quando alguma pinha ou folha arrancada pelos suspiros de Éolo senhor dos ventos, tombava no chão. Muito traquinas são os duendes.
Repentinamente, miríades de pirilampos iluminaram a mancha escura e uma claridade intensa como só os pirilampos são capazes de proporcionar inundou o espaço onde as figurinhas mágicas da mata habitam.
Um gamo veloz faz a sua aparição numa corrida desenfreada. Os seus pés tinham asas e o seu peito arfava com a força própria dos grandes vencedores cujo objectivo é sempre a vitória. Passou rápido e iluminado como um relâmpago seguiu deixando atrás de si um raio de claridade que ofuscou a luz dos pirilampos.
Soube-se, mais tarde, que regressou carregado de gambuzinos para distribuir a todos que ainda acreditam em fadas.
 
 
foto e texto de Benó
 
 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Artistas





Nem um “abre-te sésamo”, nem a maior das chaves, a mais forte ou a mais sofisticada será capaz de abrir essa boca cinzelada no duro mármore, fechadura impenetrável para uma caverna de emoções, de sonhos e desejos, que ali se encontra “esquecida”, colocada ao acaso num espaço livre,  peça olhada por muitos passantes  mas por poucos observada.

O artífice que a esculpiu que lhe deu forma de cabeça, não lhe abriu os olhos mas só delineou uma boca fechada que não contará os segredos aí preservados do querer/saber alheio. Sentimentos, recordações, sentires que nunca sairão do baú de pedra onde se encontram. Serão como pedras depositadas no fundo do rio do esquecimento.

A ferramenta que o artista empunha seja pincel, cinzel, caneta ou outra qualquer, através da mão que a segura é o transmissor dos seus mais desconhecidos anseios ou desejos guardados/camuflados no mais profundo do seu íntimo. A sua obra fala deles e deixa antever um pouco do seu autor sem que ele o queira.

Na Fortaleza de Sagres entrei, passei e senti, num dia sem data.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Lembranças

 
Mãos que viajaram europa adentro sentiram outros tatos, mergulharam noutras águas, dedilharam outras músicas, ensaiaram outros gestos, acenaram despedidas. Mãos que se fecham para guardar as gargalhadas das crianças, os afetos que recebem, a felicidade que merecem, mas que se abrem para espalhar felicidade, amor, vontades traçadas num querer sem esmorecer, afagam, seguram e amparam.
Trouxeram-me lembranças que são carinhos.
 
 
Praga

 
Vaticano
 
                                                                                                                          Obrigada, meus filhos.
 

sábado, 30 de agosto de 2014

Verão




Estás de partida, verão morno sem calor. Levarás contigo recordações das horas vividas entre amigos que vindo de longe encheram de alegria os momentos mais solitários deste Jardim d’abrolhos por onde descanso. As folhas iniciarão a sua dança ao som da orquestra que o outono transporta consigo deixando vazias as mãos que tentam agarrá-las numa tentativa de retardar a sua nudez.

Daqui a uns meses, não muitos, voltarás igual, mais quente, mais ventoso, sorridente ou não, serás a estação onde os comboios despejam sonhos, esperanças, ilusões.

 Inicia a tua caminhada para outras terras onde verás outras gentes de outras cores, com outros costumes e hábitos. Brevemente, ficará frio e o Jardim estará mais verde sem o colorido das flores que agora o enchem de alegria e, eu sentar-me-ei à lareira sonhando, talvez, com as risadas que ainda se ouvem pelos canteiros.
 
foto e texto de Benó

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Segurança



Os passeios fizeram-se para as pessoas caminharem em segurança mas parece que também as bocas de incêndio e os sinais de trânsito precisam dela.
Nota: Tenho um emplastro de publicidade colocado na mensagem anterior a esta que não deixa ter acesso ao  Jardim d''abrolhos. Veremos se com esta nova mensagem ele se descola.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A lua gorda

A lua inspiradora de várias coisas quis brincar comigo. Com a máquina fotográfica fiz-lhe a vontade e por entre árvores e arbustos consegui fixá-la.
 
 
 Começou por aparecer  grande e brilhante, radiosa na sua luminosidade.


 Já vinha cansada de percorrer tanto céu e resolveu descansar sobre as folhas do arbusto



 Farta de ser redonda apeteceu-lhe virar cogumelo.


 Acabou por ir embora, rápida, numa fugida.
Pequenina entre  as folhas da palmeira despediu-se.


                                     

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Casos ao acaso

 
 

Conversas ouvidas por acaso, ao acaso, numa qualquer esplanada vendo o ocaso do dia escolhido ao acaso, entre os muitos que, por acaso, povoam as minhas tardes.

Entre as “imperiais”, as pevides e os tremoços estrondeavam gargalhadas, chasqueava-se e o divertimento parecia reinar sobre as mesas redondas, numa brincadeira de larga e pega.

O grupo era pequeno em número mas grande na boa disposição que mostrava. Todos exibiam nos seus corpos elegantes, aquele invejável bronzeado que o bom sol algarvio oferece. Elas, de shorts, bem shorts, esfarripados, abaixo do umbigo ornado com um “piercing” e eles de bermudas naqueles padrões que fazem lembrar os indígenas do Havai. Elas ostentavam os seios resguardados em tops ousados, eles exibiam t-shirts de marcas superconhecidas.

Os temas que originavam a boa disposição eram diversos, ocos, vazios de interesse para mim que os escutava enquanto bebericava o sumo de laranja da manhã.

O livro que leio, actualmente, era um mero adorno pousado sobre a mesa, pois à minha volta as conversas, de tão abstractas, prendiam-me e eu tentava registar expressões, frases, os gestos de quem falava ora agressivamente, ora com doçura e suavidade para encontrar o que eu chamo de substancia, naquelas reuniões de ocasião.

Um dos meus passatempos, neste mês de Agosto, é deixar o Jardim d'abrolhos e sentar-me numa qualquer esplanada, ao acaso, a observar a fauna que nos visita  ouvindo-a falar sobre temas sem tema. Recolho, sempre, matéria para muita escrita.
 
foto e texto de Benó

terça-feira, 29 de julho de 2014

Leituras ao acaso

 
 
 
 
Numa manhã de descanso, peguei neste livro, abri, aleatoriamente, numa qualquer página e li:
"Não me preocupa o meu marido ou o que lhe possa acontecer com os estranhos, não me preocupa que a manhã chegue ou não chegue embora haja menos móveis de dia que de noite e a casa em que não confio finja que me aceita não tentando expulsar-me, aprendi à minha custa a não acreditar nas casas sempre a enxotarem-nos para a rua ou a cercarem-nos de tralha..."
Fechei o livro e os olhos. Eu preocupo-me.

domingo, 20 de julho de 2014

Ausencia





Dei  uma volta e verifiquei que há mais de 30 dias não venho postar no Jardim d'abrolhos.
Talvez não tenham dado pela minha falta mas eu sinto a ausência da escrita.
Não sei quando voltarei com a regularidade que gostaria mas, penso que, com a chegada do outono, a minha estação preferida, possa, enfim, retomar as atividades que gosto: pintar e escrever.

Até lá, com este dizer de Maria Antonieta no livro "As Luzes de Leonor":

"É na desgraça que melhor sentimos o que somos"

domingo, 15 de junho de 2014

Analogia


 
 
 
 
Para lá da terra seca e árida há a frescura do verde mar, meu abrigo e refúgio em dias de vendavais interiores.
 
 

fotos e texto de Benó

sábado, 31 de maio de 2014

Ondas na praia

 
 

 
 
 
Como cavalos selvagens a correr desenfreados num campo sem barreiras, as ondas cavalgam desordenadas em direcção ao areal. Abafam o leixão, mais à frente afogam os pequenos ilhéus agora desnudados e, espumosas numa raiva incontida estendem-se em grossas línguas sobre as pedras soltas que num vaivém rebolado emitem um queixume dorido e saudoso das areias finas e douradas que as cobriam.
 
fotos e texto de Benó

 

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Brinquedos



Nos dias que correm apressados, os pais veem-se confrontados com a falta de tempo para dedicar aos filhos, às suas brincadeiras, aos seus pequenos problemas. O simples ato de por a mesa, levantar os pratos é uma boa ocasião para se conversar, se rir, se inteirarem de como foi o dia de uns e de outros. Por de lado os jogos eletrónicos, brincarem mas não esquecendo, nunca, que além de companheiros de brincadeira, os filhos querem que os seus pais sejam PAIS para os aconselharem, os protegerem, os amarem acima de tudo.
Li a frase que ilustra a foto, algures por aí, e achei-a de uma pertinência atual que não resisti a publicá-la.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

O portão verde

 
De setas apontadas às alturas existe um portão de ferro pintado de verde, cor da esperança, fechado, sem chave nem cadeado, nem trinco, nem aldraba.
 
 
 



Ornado de corações deixa ver o verde/amarelo das ervas que cobrem a terra castanha, matriz das sementes que eclodirão em breve, com a chegada dos primeiros calores que poderão entrar sem qualquer impedimento. Por ele e sobre ele, a chuva passa, entra e sai só ou acompanhada pelo vento seu companheiro nestes dias. Também as nuvens fazem-lhe um adeus rasante numa corrida louca empurradas pelos soprares eólicos ou em mansos passeios e devaneios exibindo as suas formas inconstantes e sensuais numa atrevida provocação feminina



 
É um portão de ferro pintado de verde, sem história mas com muitas histórias para contar de gentes passantes, visitas ocasionais,  jovens ou velhos que a ele se arrimam para um descanso das caminhadas ou dos anos que já pesam nas pernas de quem muito percorreu e viveu.
 
texto e fotos de Benó

terça-feira, 29 de abril de 2014

Zangas

                                                                                                              foto da net


Folhas mortas, folhas secas que o vento arrancou. Soltas, esvoaçam pelo ar ou pousam no chão onde serão pisadas, desfeitas em pó que o vento espalhará.

Há palavras que quando libertadas podem ser usadas em arremessos violentos nas fúrias ventosas dos desencontros da vida ou podem vogar no ar ao sabor arrítmico das brisas quando reina a calmaria no espaço da vivência.

Folhas secas, palavras rudes, ambas são material de combustão fácil, capazes de provocar chama se caírem em sítios pouco cuidados onde as atenções à sua intrínseca manutenção foram esquecidas no vaivém sempre igual das rotinas costumeiras. Aí tombadas, folhas ou palavras, rapidamente se criam condições para que fortes labaredas irrompam num braseiro destruidor.

Palavras duras como pedras, afiadas como setas, doridas e sofredoras atiradas como dardos certeiros ao alvo escolhido, ouvidas ao acaso, entre bicas e pastéis de nata, no burburinho dum café, pouso de gente de longe, onde as folhas não entraram mas os verbos soaram no presente, esquecido que estava o passado sem futuro desejado pelos intervenientes da peleja.
 
texto de Benó


terça-feira, 22 de abril de 2014

Cinzas

 
 
 
Hoje são cinzas cinzentas, frias, mortas.
 
 
 
Ontem,  foram brasas escaldantes, rubras, cheias de calor, de vida, exímias executantes de danças feitas de abraços e desabraços, sempre num constante sobe e desce, tais  bailarinas em complexas coreografias  a rodopiar nos braços dos seus pares.

Como se fossem gente, elas aqueceram, iluminaram, foram fogo, foram chama, labaredas dançantes no palco da vida.

Apagou-se a lareira, morreram as chamas, arrefeceram as cinzas mas ainda resta um pouco de calor  na sala arrefecida.



fotos da net
texto de Benó

domingo, 6 de abril de 2014

Sinopse duma vida


“É a vida. São os anos” Diz a Inácia para justificar as dores nas cruzes que a atormentam, as artroses nos pequenos dedos das mãos, a dificuldade que sente em calçar os sapatos.
A vida não foi fácil para a Inácia nascida em pleno rebentar da II Guerra Mundial, criada na pequena vila onde todos se ajudavam com amizade e com preocupação pelos problemas que sendo individuais se tornavam colectivos.

Os pés andavam nus no verão, livres sobre as ervas, correndo sobre caminhos que serviam homens e animais numa sã vivência e dependência. No inverno, quando a geada queimava os pastos, a Inácia calçava umas botas que já tinham sido beneficiadas com meias-solas e solas inteiras para um qualquer primo ou irmão.

As mãos agora calejadas já foram jovens e cedo começaram a trabalhar para ajudar outras mãos já cansadas de tanto lavar, engomar, cozinhar para todos que eram muitos mas também souberam tecer sonhos de menina, bordar quimeras e desejos de mulher, ofereceram amor em troca de nada.

Hoje, tantos invernos já passados, as costas da Inácia ressentem-se desses frios, dos pesos dos feixes de ervas que transportaram quando ainda os seus ossos eram tenros e em formação.

“É a vida” que foi dura, madrasta para uma MULHER que viveu, sofreu em silêncio, frios, secas, infortúnios porque “há sempre alguém em piores condições”.

“São os anos” duma vida longa, honesta, trabalhosa, difícil para quem nasceu MULHER, pobre e “nunca passou da cepa torta”, passados entre risos e lágrimas, entre os que nascem e são a esperança de melhores dias, os que ficam agarrados ao leme do seu destino, entre as saudades dos que abalam para outras terras com promessas de regresso, vivendo as lembranças dos que vão e já não voltam.

São as dores da fatalidade de quem se acomoda, da MULHER que ama, chora, entrega-se por inteiro e se esquece de si própria.

Eis a sinopse da vida duma MULHER.

texto e foto de Benó

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domingo, 30 de março de 2014

Prelúdios florais

A primavera vai deixando alguns pontos da sua graça florida aqui pelo jardim. Levou a amarelo da erva azeda, já levou também as flores das amendoeiras deixando no seu lugar os pequeninos frutos que se irão tornar em saborosas amêndoas e as clivias, os brincos de princesa, os botões de rosa, os níveos jarros oferecem-me toda a sua beleza que partilho convosco.





 
 
fotos e texto de Benó                                                                                                                              

sábado, 1 de março de 2014

Procura de sementes

 
 

 

 Quebre-se o silêncio das nossas bocas caladas.
Deixemos que as mãos sejam aves à procura de sementes
Nos nossos corpos searas prontas para a safra.
No desejo da descoberta, no cansaço da aventura,
Na dádiva da entrega total,
Nenhum segredo ficará por desvendar.
O bater dos corações em ritmo acelerado
Abafará o crepitar das chamas em nossos corpos queimando.

foto e texto de Benó

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Caminhos



Longo é o caminho a percorrer. Umas vezes a subir, outras nem tanto; umas vezes na linha reta previamente traçada, outras vezes com perigosas curvas em cotovelo que nos aparecem repentinamente e nos obstruem a visão do percurso idealizado. Poderão ser caminhos de asfalto fáceis de pisar ou  caminhos pedregosos, escorregadios, sinuosos demais.





Neste percurso de sobe e desce, de curva e contracurva será obrigatório não perder o rumo; não mudar a direção previamente definida; não estacionar na berma; não exceder as velocidades nem a mínima nem a máxima; evitar as distrações que poderão ocasionar graves acidentes muitas vezes irreparáveis.


É continuar em frente, com o olhar fixo no cimo da montanha mesmo que sobre ela se veja nebulosidade, chuva ou nevoeiro.

foto e texto de Benó

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Abandono



Navegou por mares longínquos, ora mansos como lagos, ora relevados como cordilheiras de altas serras, num sobe e desce de vagas profundas. As baleias e os golfinhos foram a sua companhia na descoberta dos cardumes da prata que encheria o seu ventre para se converter no alimento das famílias e dos homens que o governavam e dele dependiam com confiança.
Muitas campanhas de gente forte e corajosa viveram dele e para ele.
Em terra, ficavam os corações femininos ansiando pelo seu regresso, numa espera longa e, em que, durante esse tempo, saudosas pelo amor dos homens ausentes, uns profundos sulcos, sinónimo de cuidados e canseiras, iam marcando os seus rostos jovens.

Envelheciam sozinhas.  
Muitas luas se passaram, muitos ventos zuniram nos seus mastros, muitas vagas varreram o seu convés. Quantas vezes mergulhou na escuridão dos nevoeiros com o sol embrulhado em densas teias de humidade. Os seus comandantes, mestres na arte de navegar, sempre o souberam dirigir com rumos certos para bons portos, mas, agora, tal como eles, a sua vida chegou ao limite.

As tábuas do convés esburacaram carcomidas pelo bicho, pela idade que não perdoa e tudo consome, o seu cavername, - a sua coluna dorsal -, a sua estabilidade que lhe proporcionava a forte resistência para vencer a adversidade dos mares, está diminuída; os motores –o seu coração-  pararam para sempre, já não necessitam de óleo, o sangue que lhe dava vida; os porões deixaram de ter condições para guardar qualquer espécie piscatória, cheiram a mofo, criaram limo, são urnas vazias.
Agora, só lhe resta o esqueleto velho, enferrujado, apodrecendo a cada dia que passa, ali, no estaleiro onde permanece encalhado a servir de albergue a ratos e baratas, pouso de aves marinhas, abandonado às intempéries, açoitado por ventos e areias, incapaz de navegar.

Dentro de si guarda recordações que não partilhará; vagueiam fantasmas de sonhos e fantasias.

 foto e texto de Benó
 

 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Barcos na baía

 
 

Ansiosa, chega à janela que não abre e, por entre as cortinas de fina gaze transparente, olha a calma baía de águas azuis esmeralda, onde o céu se vê e revê tal como Narciso no lago.

De pé, vagarosamente, com as mãos pequenas, põe as vidraças a descoberto e sorrindo alonga o olhar até onde os veleiros de velas recolhidas se encontram fundeados.

Ansiosa espera, pois sabe que, dentro de minutos, alguém virá a terra, possivelmente algum marinheiro para se abastecer de frescos ou simplesmente matar saudades de pisar terra firme. Ansiosa interroga-se: -Como será o comandante de cada iate? Novo, velho? Quantas pessoas viajarão ali? Qual o próximo porto a visitar? Estas e muitas outras são perguntas que ficarão sem resposta pois, Ansiosa não sai da sua janela para ir perguntar, para ir saber, conviver com as gentes que chegam nos veleiros e movimentam as sossegadas águas da baía, enchem os bares, fazem compras, conversam alto nas esplanadas que tomam de assalto e sabem sorrir ao sol quente que os bronzeia. E põe-se a idealizar.

Ela sonha, devaneia fantasias com príncipes audazes e corajosos prontos a raptá-la do seu castelo onde não há relógios, nem agendas ou calendários, onde a vida parou e ela própria se enclausurou, se ermou, num vazio sem horizontes.

Ansiosa vive só com a sua ansiedade.

 
foto e texto de Benó

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Calma no barlavento






Enquanto  no resto do país há chuva, vento, inundações, alerta vermelho para a costa marítima, o algarve passa incólume.
Aqui, no barlavento, tivemos o espetáculo maravilhoso da tempestade Hércules com o mar a subir por falésias com mais de 40mts saltando em altura outro tanto o que perfazia um total de cerca de 100mts de altura em água.
Passado um mês sobre o acontecimento Hércules, fui à praia da mareta. Estava assim.
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       Lá se brincava, corria, praticava-se surf
 
 
 
Este fim de semana, mais uma vez as previsões são de mau tempo, vento, chuva e por aí fora.
Aqui, no Jardim, protegi vasos, recolhi flores mais sensíveis. Como precaução.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A bela formosa

 
Os jardineiros deste Jardim resolveram ir visitar o sotavento algarvio e a pequena digital soube captar estas imagens da bela ria formosa
 
 

Os pequenos barcos repousam tranquilamente neste oásis de líquido da cor do céu.




As nuvens mais não fazem de que se mirarem e remirarem na placidez deste espelho líquido apenas enrugado pelo pousar dalguma pequena ave marinha.




  

Cabanas de Tavira abraça a ria como uma mãe faz a um filho.




Como qualquer turista, o bichano aprecia a paisagem que tem à sua frente.




fotos e texto de Benó

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Uma árvore no cais

 
Foste semente caída pelo chão. Arrastada pelo vento paraste esquecida, perdida, sozinha entre as pedras. À beira do pontão ficaste e escondida permaneceste para não seres engolida pela voragem da chuva e no esgoto acabares ou no fundo do mar.

O marulhar das ondas, o gemer dos barcos, o trinar dos beijos dos namorados foram a tua companhia enquanto pequeno grão. Aos poucos, a vida descobriu-te e ajudou-te a ver o ouro do sol, o azul do céu e o verde do mar. Bastou um pouco de calor e germinaste, eclodiste, brotaste do escuro. Cresceste, enfeitaste-te de ramos e folhas, em breve serás árvore e as crianças comerão lapas e figos torrados à tua sombra enquanto as mães olham o mar e esperam o regresso dos seus homens nos pequenos barcos de ventres inchados de escamas prateadas.
 
Texto e foto de Benó


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Agora

 
 


Apaixonados, amantes,
Vivemos  amores e paixões .
Rimos.
Sofremos  zangas, raivas, infortúnios .
Vencemos montanhas e desertos.
Trocámos beijos e abraços.
No árido deserto sofremos a dura sede da saudade.
Nas puras fontes bebemos a água da felicidade.
Hoje, neste Jardim d'abrolhos,
no aconchego do teu regaço,
esperanças. sonhos, ilusões, renovo e refaço.
 
 
 
 
 
foto e texto de Benó