sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A teia de aranha

                                                                                           
                                                          foto de Justine do blogue "Quarteto da Alexandria"

A aranha cria uma teia ou uma rosa
numa teia
não para outra aranha companheira
obviamente para uma mosca
mas pelo prazer de a tecer
ela ateia a delícia do seu prazer
e quase se esquece da mosca
ou de todo se esquece
pelo prazer de a tecer
como uma estrela uma rosa ou uma renda de fios
tão finos
que na sua evidência de insignificância aérea
de todo se esquece da sua mosca intencional
que de qualquer modo acaba por ser caçada e devorada
num tapete de linhas transparente
era para ela sim caçar a mosca
mas como um pretexto
para tecer a teia como um texto
que ela tecia e girava
na autónoma delícia do prazer.

poema de António Ramos Rosa, poeta algarvio

sábado, 14 de dezembro de 2013

Um pedaço de mar

 
 
 
 
Um pedaço de mar, só um pedaço, melhor ainda, um pedacinho desse grande oceano, que dá pelo nome de atlântico, entra no porto de abrigo aqui, à minha frente e suavemente faz baloiçar os pequenos barcos que se encontram em descanso. Foi assim, hoje, aqui no porto da baleeira, perto do Jardim d'abrolhos, em que o vento soprava forte causando alguma ondulação fora da doca.



texto e fotos de Benó

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

INFANCIA

 
 
 





Esqueço o jantar.
Roupa para engomar.
Que importa brinquedos no chão
Quartos por arrumar
Almofadas a servir de colchão.
Ignoro os gritos dos índios.
Os tiros dos "cowboys".
Correrias, atropelos.
Estou dentro, entro na onda.
São muitos os apelos.

Transformo-me, transfiguro-me,
transporto-me meio século para trás.
Jogo ao ringue, salto à corda, faço rodas.



Sou novamente criança
Companheira de aventuras, das escondidas.
Rejuvenesço.
Revivo com a petizada
Os sonhos, as esperanças,
Risos, lágrimas, abraços, despedidas.

Somos camaradas em férias.


domingo, 8 de dezembro de 2013

Sou quem sou




Entre piteiras e catos, neste jardim d’abrolhos, sou quem sou.
Mulher, mãe, avó.
O aconchego, o carinho, o amor. Pele morena enrugada, cabeça nevada. Mãos largas nos carinhos oferecidos, braços pequenos para tantos abraços recebidos.
Sou o oceano revolto quando chega o vento do desespero.
Sou a frescura do oásis em dias de revolução.
Sou a inocência infantil no jardim das crianças.
Intransigente no querer, no estar. Exigente no saber.
Ficcionária, onírica, ave solta. Livre no escrever.

Procuro a verdade da vida, no ler. As letras são mundos desconhecidos. Viagens a descobrir.
Seguro a vida que vai aos poucos caminhando pela estrada que construí. Seguro-a, firmemente, enquanto rodeada de outras vidas que, juntas, formam um todo: a minha própria vida, a minha existência.
Não me pertenço.
Não estou só.
Sou quem sou.

Mulher, mãe, avó.
 
texto e foto de Benó

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Outono


 
 
 
 
 
 
 
Cerram-se as cortinas nas janelas escurecidas pela tarde que termina.
Os candeeiros, na rua, abrem os olhos até aí adormecidos, numa languidez soturna, vagarosa, como se tivessem medo da escuridão que se aproxima. O arvoredo calou as conversas com o vento e até a rosa vermelha parou de alisar as pétalas.

Os filhos aninham-se no colo dos pais enquanto as mães, com a boca cheia de beijos, cozinham a sopa do jantar.
Os gatos de cor parda esperam a hora da saída para os telhados onde as chaminés libertam o fumo retido nas brasas das lareiras.


É outono.


texto e fotos de Benó
 
 

 

 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Duas pedras

 



O vento, a chuva, a seca, as intempéries resultando numa erosão cuidada e meticulosa, talvez até, artística deram a estas pedras um perfil quase humano. Elas são espectadoras atentas ao que se passa no areal. Sabem quantos bagos de areia são necessários para formar uma duna, compreendem as conversas tidas entre as algas e os limos, ouvem as discussões dos caranguejos com as estrelas-do-mar, conhecem os ventos que sopram dos vizinhos desertos africanos ou aqueles outros, gelados, vindos do norte, onde moram as renas e as focas, também são maltratadas pelas fortes lufadas que chegam do sul, normalmente, carregadas de nuvens pesadas e negras. Entre elas, não perdem uma deliciosa cavaqueira sobre o Bóreas e o Nótus.
 
 
 
 
O sol, indiferente à beleza da onda que enrola e desenrola em brincadeira com as conchas e os mexilhões, segue a sua viagem diária perdendo-se para lá das águas profundas do oceano.
 
 
 
 
As pedras continuarão presas ao mesmo lugar, de onde podem dizer adeus aos marinheiros que passam ao largo rumando a aventuras que elas nunca poderão viver; sempre no mesmo lugar, de onde assistem a grandes tempestades mas também a belas e calmas bonanças; de onde podem extasiar-se ante os coloridos ocasos nas profundezas do infinito oceano; sempre no mesmo lugar, até que o gastar dos tempos as faça tombar, sem dó nem piedade, no fundo da falésia, nas águas que agora lhes beijam os pés, elas ali estão,
 
num local, aqui, perto do Jardim.
foto e texto de Benó

domingo, 24 de novembro de 2013

Por trás das gelosias

 
 
                                                                                              imagem da net


Por detrás das gelosias há segredos não contados. Vidas secretas, discretas.

Por detrás das gelosias espreita-se a rua, as vizinhas que param e conversam numa perda de tempo sem fim, os beijos atrevidos dos namorados, o cão que ladra à bicicleta que passa e o gato que afia as unhas no tronco da árvore.

Por detrás das gelosias suspira-se e aguarda-se a chegada do carteiro. Sonha-se com a carta há tanto desejada, há tantos dias para chegar.

Vê-se tudo que se passa lá fora, indaga-se interiormente, cogita-se mas não se abre as cortinas por detrás das gelosias.
 
texto de Benó
                                                                                  

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Rua molhada

 
                                                             foto e texto de Benó
 
A rosa vermelha espreita a rua molhada onde as luzes dos candeeiros já se refletem no acabar de um dia chuvoso deste outono ameno, aqui no Jardim d'abrolhos.
 


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Há moiro na costa





                                                                                                foto e texto de Benó

 

 
Ainda era uma adolescente, morena de grandes olhos pretos, amendoados, orlados de fartas pestanas. Olhos que sempre sorriam para todos e para a vida que vagarosamente decorria.

Numa alegria constante, espalhava risos e gargalhadas por entre familiares e por todos os que com ela conviviam. Era o braço direito de sua mãe, uma preciosa ajuda para tratar e cuidar dos mais novos e dos muito mais velhos que ainda faziam parte dos viventes naquela casa sempre em constante movimento.

De repente, o seu estar modificou-se.

Andava numa distração permanente. A avó queixava-se dos seus silêncios e da falta de companhia para jogar ao dominó, o seu jogo preferido ou para conversar; a mãe, das suas demoras quando a mandava à rua fazer qualquer recado e os mais pequenos choravam pela falta das brincadeiras habituais.

Dir-se-ia que a casa estava a tornar-se pequena e a adolescente necessitava de sair mais vezes para conversar com as amigas, de espaço, de liberdade ou então de estar só, isolada, longe de tudo e todos, a ouvir o bater descompassado do seu coração.

Com alguma frequência, podíamos vê-la debaixo das árvores do jardim, deitada na relva, fitando o céu com aqueles seus olhos grandes, absorta em pensamentos que eram só seus.

Até o pai começou a notar que a sua menina estava diferente e, como pessoa habituada às mudanças dos humores juvenis e femininos, comentou com a mãe, igualmente conhecedora dessas coisas e dos jovens corações apaixonados:

-“Há moiro na costa"

 

sábado, 9 de novembro de 2013

Perdão

 
 
 







Esquece.

Vem até mim

Escuta o rugir das marés

nos silêncios mudos

dos nossos sentires apaixonados.

Abraça-me.

 

Esqueci.

As palavras que não foram ditas

Não ouvi.

Não escutei as palavras que não disseste.

As minhas mãos estão vazias.

Nada guardei.

Nos olhos, as lágrimas que não chorei.

Esquece.
Esqueci.



foto e texto de Benó

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Gaivota

 
 
 
 



Manhã cedo, com o sol ainda adormecido e a bruma matinal a pairar sobre o casario numa envolvência fria e húmida, a senhora gaivota, pousada no muro que circunda todo o espaço da fortaleza da Sagres, é a primeira observadora atenta às ondas na praia do surf situada lá em baixo, aninhada entre as altas falésias que lhe conferem proteção ao mesmo tempo que oferecem a beleza natural dos areais da costa vicentina.
 
 
foto e texto de Benó
 

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Ocaso

 
 
 



Aquela bola de fogo que nos aquece e nos prende nos seus fogosos braços, que é sinónimo de vida e fecundidade, esconde-se nas águas do oceano num mergulho suave, sem splash, para ir dar luz e vida a outros seres outras gentes, desde que o mundo é mundo num ritual diário, desde sempre. A bola de fogo incendeia céu e mar, pinta labaredas nas cores mais quentes da paleta divina onde, há poucos momentos, só o azul era cor e, dá lugar a um espetáculo inigualável presenciado por multidões de diversas origens que ficam estarrecidas ante a beleza daquele momento em que o dia já não o é, nem a noite ainda é.

Para culminar, as aves calam-se, o vento abranda o seu queixume e as palmas irrompem num vibrante aplauso à despedida do sol, ali, no fim do mundo. Erguem-se taças borbulhando de líquido que se bebe entre risos e abraços.

E os espectadores mais atentos e místicos ouvirão, certamente, o burburinho provocado pelos deuses que, naquela hora, se reúnem nas salas cavernosas das profundezas do oceano.

Diariamente, no Cabo de S.Vicente.
 
 

 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Primaveras


Podes dizer-me que já não há mais primaveras, que as flores murcham sem desabrocharem, que os rios gelam antes de chegar ao mar ou que as árvores morrem sem oferecerem abrigo às aves nos seus ninhos.
Ouvir-te-ei carinhosamente enquanto me olhas como só tu o sabes fazer quando mentes. Como podes dizer que já não há mais primaveras?

Sim, eu sei, a neve criou morada na minha cabeça mas o meu coração bate ao sabor das marés ora manso, calmo e sereno, ora agitado, revolto como a tempestade.
Sinto a primavera em cada gorjeio dos pássaros que me habitam. Os meus dedos entrelaçam os raios de sol num novelo de imensos matizes; da terra quente germinam as sementes guardadas no seu ventre; os dias sucedem-se às noites estreladas, enluaradas ou negras, densas, misteriosas.

Tu sabes que há flores eclodindo da neve e, aqui, no Jardim, será sempre primavera.


 
foto e texto de Benó

 

domingo, 27 de outubro de 2013

Amigos



Esta semana no blogue PPP houve "Jornal de Parede". Cada colaborador(a) deveria enviar uma noticia, um pensamento, uma imagem em foto ou em texto ou uma coisa completando a outra, que achasse relevante para informar os outros.
O Paxá e o King, dois amigos, dois companheiros, fizeram parte do Jardim d'abrolhos durante muitos anos. Pelas suas brincadeiras, pelo carinho recíproco, pelas lembranças que ainda perduram, quis pô-los em notícia e, assim, homenageá-los.

sábado, 26 de outubro de 2013

O risco riscado

 
 

 
 
O risco riscado no alto,
lá longe, tão longe que nem se vê o riscador,
parece uma linha fininha de seda ou algodão
esticada pela habilidosa mão de costureira ou bordadeira
usando na agulha a bordar ou a costurar um vestido,
um bordado bem desenhado e esticado no seu bastidor.
O risco riscado lá no alto é um pássaro que transporta
no seu ventre alargado
gentes de um para outro lado.

foto e texto de Benó

 

 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Temperos



Na parede branca sem qualquer ornamento, ali, mesmo junto à porta da cozinha, tenho os coentros, os piripiris. Aproveitei esta desusada sapateira que se encontrava atirada para os monos da arrecadação e organizei assim, todos em um. Ali, mesmo à mão de semear, tenho os temperos e dei colorido a um espaço frio.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A palmeira agonizante



Pés enterrados, seguros, firmes. Cabeça ereta de longos cabelos açoitados pelas ventanias vindas do gélido norte ou do quente deserto africano. Tudo ela suportou. O seu grosso tronco, nas cavidades próprias da vida longa que já suporta, foi, e ainda é, pouso de sementes trazidas pelos elementos alados que ali procuram descanso e, quiçá, alimento. Essas sementes, graças às boas condições térmicas encontradas, germinam rapidamente e uma flora, em diversos tons de verde, ainda adorna o corpo da árvore que já conta com um quarto de século.

Chegou ao fim a sua vida ferida pelo maldito escaravelho trazido pelos ventos quentes da vizinha África. Aos poucos tem perdido o seu vigor, o seu porte altivo esmoreceu e agora agoniza numa morte lenta. Pobre palmeira, símbolo de resistência, sinal de frescura em oásis perdidos no meio do areal, companheira de sombra em momentos de leitura, dentro em pouco nada mais será do que um cepo que perdurará em sua lembrança.

O jardim d’abrolhos retoma a sua actividade com esta pequena homenagem a uma das árvores que tem acompanhado as brincadeiras dos meus netos. Junto da araucária, a lhe prestarem guarda, estiveram duas palmeiras. Agora, só uma balouça as suas longas folhas nas brisas da tarde.


terça-feira, 20 de agosto de 2013

Calor


Gretas, rugas, socalcos a desenharem figuras geometricamente diabólicas na pele da terra abrasada pelas labaredas dardejantes do sol.

A crosta terrestre retrai-se, expande-se, cresta, morre de sede e anseia pelas frescas águas do outono. Secam os ribeiros, definham as plantas e, dos trilhos percorridos pelos caminhantes curiosos em mergulhar na bela flora da costa vicentina, solta-se e anda no ar uma poeira vermelha queimada pelo calor que nos suja e se cola à pele.

É o verão que nos oferece a beleza tórrida destes dias sem vento tão habitual aqui, no cabo.

foto e texto de Benó

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Silêncio




Porquê o silêncio me perturba?


As asas das borboletas que voejam pelo jardim soam como velas de moinhos gemendo nos seus rodízios em dias de ventania.

Neste silêncio que me cerca, o rastejar dos vermes da terra ecoa como as marés espraiando-se pela areia e a folha caindo da árvore chega ao meu sentir como uma onda batendo na falésia em dia de maresia.

O silêncio envolve-me, perturba-me, causa-me medo. Não raciocino, não penso, estou inerte.

Hoje, sou prisioneira do silêncio.

    foto e texto de Benó

terça-feira, 18 de junho de 2013

Brincadeiras no escuro

                                                                                                 foto e texto de Benó
 
 
Era apenas mais uma noite invernosa. A chuva lá fora caía impiedosamente. O vento soprava empurrando à sua frente as folhas jovens que fragilmente se agarravam aos braços da mãe árvore. Ninguém passava na rua e as janelas eram olhos entreabertos deixando passar tiras de luz das casas ainda acordadas.
Como habitualmente em noites de invernia, a luz retirou-se não se sabe para onde, talvez com frio e o apagão foi geral.

A lareira chispava e iluminava debilmente a sala onde nos encontrávamos. Com o isqueiro que está sempre à mão, acendemos a vela e brindámos à claridade que pelas paredes desenhava figuras abstratas  executantes duma dança de luz e sombra.
Foi apenas mais um apagão numa noite invernosa em que a escuridão nos convidou à brincadeira habitual de fazer bonecos chineses com as mãos.

sábado, 25 de maio de 2013

Nevoeiro

                                                                                            foto e texto de Benó
 
 
O nevoeiro espalhava-se, víamo-lo a estender preguiçosamente os seus braços para rapidamente engolir as charnecas, devorar estevas, rosmaninhos, rosas albardeiras, tojos, jóinas. Fauna e flora tudo desaparecia por dentro do abraço frio e húmido daquele visitante pesado e indesejado. As palmeiras do jardim da avenida sentiam-se apertadas naquela densidade pegajosa e pelas suas longas folhas inertes escorriam lágrimas penosas que só o vento as faria secar.

O palmeiral ansiava pela chegada do ventania fria e forte à qual já se habituara e que, rapidamente, poderia dissipar aquelas gotículas de água que tudo molhava e tornava cegos os olhos que não viam “um palmo à frente do nariz”.

domingo, 19 de maio de 2013

Flores da rua


 
Cada vez há mais flores nas bermas dos caminhos, na beira das estradas por onde passam camiões, automóveis com cavalheiros que param para as colher.
Poluição social.
Flores desenraizadas, sem húmus para viver. Entre as pedras procuram a força necessária para o seu desabrochar. Terão uma existência curta e serão pisadas e serão cuspidas, maltratadas, arrancadas ao seu meio ambiente.
Serão flores murchas sem jardim.


foto e texto de Benó

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Escadas da vida


 
Escadas que se sobem.
Escadas que se descem.
Degrau a degrau, sem canseira nem cansaço, vais subindo a escada da vida, passo a passo.
Nalguns patamares na subida, paras e às vezes desces.
Prossegues, a subir ou a corrigir o teu caminhar para mais rápido ou mais devagar.
Quando a corda do relógio da vida se partir, descansarás então.
Os teus sonhos serão asas e voarás.

Haverá mais uma estrela no céu.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Livros


                                                                                             imagem da net
 
 
Livros amigos que me contam baixinho todos os seus segredos. Com eles derrubo gigantes, enfrento tempestades, choro e rio. Medito e sonho, avanço no futuro e volto ao passado, tudo isto estes amigos me oferecem sem pedir nada em troca. Não se queixam se deles me esqueço abertos ou fechados sobre qualquer mesa ou cadeira, não reclamam se, momentaneamente, os troco por dois dedos de conversa com as amigas.

Por vezes, fico pelo meio do assunto descrito, não consigo ouvir até ao fim as histórias que me estão a contar. Interrompo um, começo outro ou tenho dois e três no colo dedicando-lhes a mesma atenção, ouvindo-os alternadamente e com o mesmo interesse. Não são ciumentos nem um quer ser mais que o outro.

Os livros preenchem os meus momentos de solidão. Com eles não há espaços vazios dentro de mim. As suas letras são palavras que compõem o meu viver, o meu estar neste Jardim d'abrolhos

segunda-feira, 8 de abril de 2013

POINSÉTIAS




Estas poinsétias foram oferecidas pelo Natal. Não estavam sobre este móvel mas no chão num recanto bem iluminado e acompanhadas por algumas orquídeas. O Natal já passou, a Páscoa igualmente, mas elas continuam oferecendo a sua beleza colorida e por isso, achei que tinham direito a uma foto para o blogue. Quero transferi-las para o jardim, mas não sei bem qual a melhor altura para o fazer. Se alguma das minhas visitas me souber esclarecer, agradeço e, certamente, as poinsétias também.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

AMARILIS





Os amarílis entre a sombra e a luminosidade branca da parede vão resistindo aos ataques dos caracóis que todas as manhãs  caço para os colocar onde devem estar: no campo a pastar e não no jardim a comer flores.
Da terra brotaram. Do sol se alimentaram. Beberam a água da chuva e com a sua beleza vermelha
vibrante me encantam todos os anos numa grande saudação à primavera.




foto e texto de Benó





quarta-feira, 27 de março de 2013

Por detrás das gelosias


 

 
Por detrás das gelosias há segredos não contados. Vidas secretas, discretas.

Por detrás das gelosias espreita-se a rua, as vizinhas que param e conversam numa perda de tempo sem fim, os beijos atrevidos dos namorados, o cão que ladra à bicicleta que passa e o gato que afia as unhas no tronco da árvore.

Por detrás das gelosias suspira-se e aguarda-se a chegada do carteiro. Sonha-se com a carta há tanto desejada, há tantos dias para chegar.Suspira-se de saudade por alguém que partiu prometendo voltar. Há mundos de esperanças que olham para a rua.

Vê-se tudo que se passa lá fora, indaga-se interiormente, cogita-se mas não se abre as cortinas por detrás das gelosias. Os sonhos continuam dentro da  casa com as cortinas corridas.
 
foto e texto de Benó.

quarta-feira, 20 de março de 2013

As folhas









As folhas rodopiam numa dança coletiva em que vão todas ao centro como num baile mandado e numa corrida rápida fogem para se voltarem a juntar e rodopiar em ritmo ora suave ora acelerado, onde todos os elementos se entregam e se abraçam.


Assim, as mãos se procuram e se encontram, se escondem e entrelaçam, desunem-se e se afastam, se atraem e apertam para, enfim, desfalecerem inânimes junto aos corpos húmidos e cansados de tanto corridinho.




foto e texto de Benó

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Escadas





Escadas que se sobem.
Escadas que se descem.
Degrau a degrau, sem canseira nem cansaço,
passo a passo vais subindo a escada da vida.
Já paraste nalguns patamares na subida.
Meditaste. Sonhaste.
Olhaste em teu redor e às vezes desceste.
Prosseguiste, subindo, parando e olhando, corrigindo o caminhar ora mais rápido ora mais devagar.
Nesta longa subida que é a vida, no grande e último patamar, quando o relógio te impedir de prosseguir, poderás, então, descansar.
Os teus sonhos serão asas e voarás.
Haverá mais uma estrela no céu.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Nada encontrei




                                  



Num dia longo, sem fim, caminhei praia fora, enterrei os pés na areia, refresquei-os na água fria.
Procurei, chamei, mas só as ondas me respondiam no sossego daquela praia.
Andei. Fugia de mim para te encontrar.
O vento varreu as lembranças, os sonhos, as esperanças.
No deserto areal por onde passei nada deixei.
Nada encontrei.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O pote de barro

 
 





À beira da estrada, o pote de barro ouve a marulhada do Tonel, vê o sol mergulhar no azul do mar.
Olha as nuvens em corrida num corcel.
Vê os aviões, os carros, as bicicletas.
Passam por ele gaivotas, pardais e borboletas.
Ouve conversas de pescadores e caçadores.
Tudo isto sem sair do seu lugar,
O gordo pote de barro.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Pequeno almoço




Os pardais saltitam, as rolas esvoaçam em alegre união convivem e brincam na procura de sementes entre os tufos de relva. Os pretos melros enfiam o bico cor de ouro, no relvado húmido e fofo enchendo-o com as saborosas minhocas. Não falta um bom pequeno almoço para os habituais utentes do jardim d'abrolhos. Há, porém, os visitantes ocasionais: pombos, garças e também gaivotas mas esses procuram alimento mais acima, no terreno lavrado.
 
 
 
 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Sonhos em flor

 
 
 
 
 
 
 
Não deixes a erva crescer em redor dos teus sonhos em flor. Arranca-a pela raiz, monda e cava, fornece-lhe substrato e verás o desabrochar dessas flores que rapidamente se transformarão em doces frutos.
 

sábado, 12 de janeiro de 2013

Raizes

 
 
Raízes, nuas, descarnadas, torcidas e retorcidas. Agarram-se à terra e dela tiram o suco necessário para a sobrevivência do seu corpo.
Não lhes importa o sol escaldante ou a chuva impiedosa. Têm o mundo debaixo de si.
O seu tronco grosso, suporte de ramos e folhas, abrigo noturno dos seres alados, tem, em si, gravados por namorados apaixonados,  o nome dele e dela, metidos em corações atravessados pelas setas de Cupido.
Lembranças efémeras de amores que não chegam a adultos, que nasceram para durar pouco.
Mas as raízes continuarão pegadas à terra alimentando aquele corpo já velho e indiferente aos amores e desamores de quem goza da sua sombra e corta sem dó a sua pele rugosa.
 
 
foto e texto de Benó

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Perdida





Deixa que me perca no labirinto das tuas palavras, nos murmúrios suaves que a tua boca deixa na concha do meu ouvido.

Nessa música encantada do som da tua voz.

Depois, irás encontrar-me na tempestade que os teus olhos provocam quando se cruzam com os meus.

As minhas mãos irrequietas como velas agitadas pelo vento, prende-as depois, entre as tuas.

Acalma o meu coração tornado barco à deriva sem leme nem âncora.

Juntos, venceremos a tempestade cavalgando no arco íris.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Segredos

 
 
 
Por detrás das gelosias, vive-se dias negros de solidão.
Guarda-se segredos não contados porque se se contassem deixariam de ser aquilo que são.
Chora-se e ri-se. Canta-se e grita-se as dores das saudades.
Conta-se os dias por detrás das gelosias
Amargos, tristes, sós.
Entre os livros, os gatos e as recordações decorrem vidas sem vida
Compridas, imensuráveis.
Dias longos, horas intermináveis
Num sonho sem fim. Numa realidade sem voz.
Por detrás das gelosias vive-se segredos inconfessáveis.
 
foto e texto de Benó