segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Negatividade




Andava cansada, a dormir pouco. Durante a noite, tendo por companhia o silêncio dos lençóis, levantava-se duas e três vezes para andar um pouco na semiobscuridade do corredor e, mais descontraída, ajudar o sono a aninhar-se. Em vão. Noites de insónia que lhe provocavam mal-estar e uma completa irritação diária, a ponto de descarregar nas crianças, pobres inocentes, o frenesim que sentia. Nenhum dos livros da mesa de cabeceira a ajudava naquela sua luta com o sono.
Tinha de escrever.

Ali, à mesa do café, talvez a tarefa que estava a ser difícil, se tornasse fácil.As palavras começavam a ter necessidade de sair da cabeça onde se encontravam desordenadas, aos empurrões, apertando-se umas nas outras.
Pegou num lápis. Às vezes esquecia o teclado e gostava de sentir o cheiro do papel e de riscar o que não lhe parecia correto à primeira, em vez de carregar na tecla do “Eliminar” para, num instante, a palavra errada desaparecer. Era mais rápido, talvez, mas, agora, precisava de tempo para ordenar o que sentia desordenado.
Pediu um segundo café, curto, em chávena escaldada.
Puxou do cigarro. À mão, a droga necessária para se acalmar um pouco e tentar arrumar as ideias. Nada se coordenava. Nenhuma frase fazia sentido. Os pensamentos não tinham consistência e as têmporas começaram a latejar. Cerrou as pálpebras e lentamente letras, palavras, acabaram por ir aparecendo formando pensamentos.
Estava mais calma e, cigarro atrás de cigarro, o lápis foi deslizando pelo branco do papel na transmissão das ideias que se atropelavam no seu pensar.
Sentiu-se liberta da pressão que tinha dentro de si.
A mão voltava a ser comandada pelo pensamento.

texto e foto de Benó

8 comentários:

Catarina disse...

Naquela noite de certo teria um sono repousante...

chica disse...

Que lindo como escreves e colocas pra fora! Vale muito quando estamos angustiadas, escrever! beijos,tudo de bom,chica

Graça Pires disse...

É isso mesmo, Amiga Benó. A escrita é uma catarse, uma absolvição, um reencontro com nós mesmos.
Gostei da sua história. Revi-me nela.
Um beijo.

Fê blue bird disse...

Amiga Benó, a escrita liberta as tensões,aliás penso que qualquer arte feita com prazer as liberta, eu sinto isso tantas vezes.
Uma noite que decerto vai ser mais tranquila.

Um beijinho

luisa disse...

Escrita libertadora. Quem dera... :)

Ana Freire disse...

E a escrita pode ser mesmo um processo de libertação interior... às vezes há mesmo a necessidade de confiar ao papel... tudo o que nos vai na alma...
Adorei o texto, Benó! Escrever pode ser mesmo uma paixão, uma necessidade e uma libertação!
Beijinho! Feliz e inspirada semana!
Ana

Graça Sampaio disse...

Que bom que sabia escrever, alinhar as palavras... A escrita ajuda tanto! Mas nem sempre se consegue...

Beijinho.

CÉU disse...

Olá, querida Benedita!

Um texto mto bem escrito e tão real, como é seu apanágio. Qtos de nós não se sentiram já assim? Enfim, valha-nos a escrita, a dança, a musica, a arte em geral. O cigarro há que esquecer.

Beijos e dias felizes!