quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O repuxo


 
 
O repuxo cantava a frescura dum fim de tarde enquanto as damas nas suas saias rodadas pisavam levemente o chão e conversavam sobre os últimos escândalos da corte. As mãos pequenas enfiadas em luvas de renda seguravam o leque francês pintado com figuras de coloridas aves e abanavam os rostos protegidos por chapéus de grandes abas atadas por debaixo do queixo com fitas de cetim. Poderia ser um quadro romântico do sec. XVII ou XVIII em que havia reis e rainhas e muito povo com fome.
Hoje, do terraço onde me encontro, nesta hora admirável de final do dia, em que o sol, por obrigações celestiais, tem de nos abandonar, posso admirar o mesmo repuxo rodeado por canteiros de sebes baixas, ouvir o cantar da água que jorra elevando-se no ar para tornar a cair na bacia de pedra que o circunda mas, não vejo damas de fartas saias rodadas trocando entre si pequenos segredos com risinhos à mistura. Somente os hóspedes deste palácio, agora tornado unidade hoteleira, por ali deambulam em alegres conversas envergando frescos calções e blusas vaporosas que assim o exige a agradável temperatura deste outono algarvio.
Fecho os olhos e a brisa da tarde refresca-me o rosto e os pensamentos.

Não temos rei nem rainha mas o povo continua com fome.
 
foto e texto de Benó

9 comentários:

Catarina disse...

Onde fica localizado esse repuxo? No local onde reside?
Bonito texto a acompanhar. Tb gosto da briza da tarde... : )

Catarina disse...

Algo me alertou sobre o erro em briza.... BRISA!

Elvira Carvalho disse...

E por quanto tempo continuará ainda?
Texto muito belo.
Um abraço

Miss Smile disse...

Há coisas que permanecem as mesmas, infelizmente. Belo texto, Benó.

Um beijinho

Justine disse...

Uma excelente reflexão sobre a passagem do tempo, o que muda e o que infelizmente permanece...

luisa disse...

A passear pelos jardins do Palácio de Estoi? :)

Graça Pires disse...

Quase que vi esse quadro romântico. Quase que senti a frescura da água do repuxo.
Muito bom, amiga.
Beijo.

Ana Freire disse...

A imagem está uma autêntica maravilha!... Linda!!!!
Lindíssimo texto... onde um passeio num jardim... teria algo de mágico, envolvente, e encantador, noutras épocas... e que se banaliza... na actualidade dos tempos...
Verdade!... Não temos reis... mas poucos, vão vivendo como reis... para que muitos vivam com fome...
Beijinhos! Boa semana!
Ana

Graça Sampaio disse...

Gosto muito dos seus texto, Benó! Têm uma aura de mistério, de fractura, de névoa... Muito bonitos.

Beijinho